segunda-feira, novembro 19, 2007

Responsabilidades Humanas

6. O consumo dos recursos naturais para responder às necessidades humanas deve estar integrado em procedimentos mais amplos de proteção ativa e de gestão prudente do meio ambiente.

Fonte: Carta de Responsabilidades Humanas - http://www.redemundialdeartistas.org.br/Alianca/CartaDeResponsabilidade


1. Introdução para uma História:

O homem é um dos principais agentes transformadores da natureza. Ele sempre utilizou os recursos naturais como objetos para a manutenção da sua própria existência. Desde a sua origem, o gênero humano sempre buscou subjugar as hostilidades e as intempéries da natureza. A sua presença no planeta é responsável pela construção de “sentidos”. São estes “sentidos” que identificam as características que determinam as diferentes sociedades e culturas. Em cada momento da História, o homem, por meio de uma ação transformadora, construiu “tendências”, que são responsáveis pela sua existência e que dão identidade ao que ele é. Para isso, várias instituições, formas religiosas, compreensões e ciências explicativas foram desenvolvidas para dar resposta à realidade que o envolve.
Nesse sentido, a forma como está organizada o mundo ocidental é recente, resultado de um processo histórico, de evolução da cultura, do modo de produção econômico (consolidação do capitalismo) e de valores que se cristalizaram como verdadeiros arquétipos. Inicio fazendo observações a partir do Renascimento Cultural da Europa no século XVI, pois ele é um ponto fundamental para falarmos em natureza como entendemos hoje. Foi a partir do Renascimento que o homem passou compreender que a natureza poderia ser usada a seu favor de maneira mais eficaz e complexa. Ele poderia compreendê-la e usá-la como resultado de seu progresso econômico e científico.
O Renascimento proporcionou uma nova forma de se ler o mundo. A partir dele, o homem passou a tomar uma nova consciência de si mesmo. Deixou basicamente de ver a natureza como resultado de uma criação deturpada pelo laivo do pecado como entendia o homem medieval, para vê-la como um objeto a ser conquistado pela ciência que se desenvolvia. Isto, por exemplo, pode ser visto na obra de Francis Bacon o Novo Organon que entendia a natureza como algo a ser dominado em favor do ser humano. Houve assim a desmistificação da natureza. Ela deixava de ser vista como resultado da criação divina, ou seja, uma co-irmã com os homens, para ser uma serva a ser utilizada em benefício do progresso humano.
Com o Iluminismo filosófico, esta leitura se intensificou. A natureza passou a ser vista como uma máquina feita de leis e lógica regulares que seguiam ciclos perfeitos e que podiam ser conhecidos pelo engenho humano. A revolução Industrial pôs um assento agudo de intensidade nesse quesito, pois ela pode ser vista como o resultado do progresso nascedouro. A produção deixou de ser manufaturada e passou ser totalmente industrializada. Os recursos necessários para manter a produção constante foram extraídos diretamente da natureza. Desta forma, o progresso dos homens (a industrialização), significou a espoliação dos bens da biosfera. Extração sem critérios de recursos naturais, para alimentar um entusiasmo industrial/capitalista megalomaníaco. O positivismo que pregava a consolidação da ciência como a grande mãe do progresso humano via na manipulação da natureza a chave para um novo tempo desenvolvimentista para a humanidade.
Assim, desde a Revolução Industrial iniciada na Europa no século XVII, o planeta vem passando por uma séria, grave e preocupante deterioração do meio ambiente. O século XX representou um agravante, pois um contingente novo de tecnologias foi responsável pela degradação de zonas inteiras do planeta, pela poluição de rios e mares, pela extinção de animais, pela excessiva emissão de gases tóxicos na camada de ozônio, causando desequilíbrio climático em todo o planeta.
James Hansem, diretor da Goddard Institute for Space Studies da Nasa e pesquisador do Earth Institute, da Columbia University, diz que “em consonância com evidências históricas, a Terra começou a se aquecer em décadas recentes a uma taxa prevista pelos modelos climáticos que levam em consideração a acumulação de gases produzidos pelo homem. O aquecimento está causando impactos observáveis com o recuo de geleiras em todo o mundo. O gelo marinho do Ártico está mais fino e a primavera chega cerca de uma semana mais cedo que nos anos 50”.[1] De modo que hoje, em pleno século XXI, uma das principais lutas que deve ser travada é a luta pela preservação do meio ambiente. Não há como falar em progresso humano sem se pensar responsavelmente em meio ambiente e ecologia.
Durante muito tempo se pensou que as fontes dos recursos naturais fossem inesgotáveis. Todavia, tem-se visto que esta premissa estava assentado num equívoco caricato. Pois, a degradação porque passa a natureza tem gerado uma preocupação para ambientalistas e entidades responsáveis por um discurso alternativo – vale mencionar nesse sentido o papel das ONGs.
Para dar continuidade a estes argumentos reflexivos, gostaria de tentar explicar e provocar uma ponderação a fim de que se entenda como é complexo o papel de se colocar em prática os princípios do artigo das responsabilidades que debato. Como existe uma estrutura que desrespeita a natureza e está pouco preocupada com a conservação da mesma, essa questão torna-se ainda mais inextricável.


2. Produção: esposa fiel do capitalismo:

O capitalismo se consolida no Ocidente como resultado das revoluções burguesas, também fortalecida no Renascimento. Esse modelo econômico tem como principal característica o acúmulo de bens e a busca constante do lucro. A principal receita para a efetivação desse modelo econômico é a produção e o consumo. Produz-se para se consumir. Há uma necessidade em se produzir sempre mais e cada vez melhor para um mercado consumidor sequioso por novidades. Para isso, a tecnologia está atrelada ao progresso, e, o progresso, à produção, pois não há progresso se não há produção com tecnologias cada vez mais aprimoradas.
Um exemplo disso seria os telefones celulares que há dez anos atrás eram aparelhos grandes, desguarnecidos de acessórios como os de hoje – GPS, câmara fotográfica, com acesso direto à internet... etc. O que determina a moda é a sofisticação cada vez mais apurada. De modo, que os consumidores do capitalismo, sentem-se pressionados pelo próprio sistema a consumirem aquilo que é produzido cada mais vez mais e melhor. Ao se comprar um celular não se pensa na cadeia processual que o levou até à prateleira da loja. Ali estão mecanismos, substâncias, materiais e uma bateria que possui substâncias altamente pesadas do ponto de vista da química, que foram transformados a partir da combinação de elementos naturais. A indústria tem que produzir mais e melhor; e para isso, não respeita os limites da natureza. O que demorou milhões de anos para ser produzido pelo planeta, o homem tem destruído em séculos.
A garganta do capitalismo é gulosa. Ela precisa de mais e mais nutrientes para a sua sobrevivência. Para isso, é preciso produzir, pois quem não produz no mundo capitalista estar completamente fadado ao desaparecimento. É preciso tirar de algum lugar para que esse ciclo produtivo tenha movimento em sua cadência. O que faz com que o mercado permaneça vivo é a produção. Não se trata de uma simples produção como mencionei acima. É uma produção que segue uma determinada lógica – a lógica da tecnologia.
O capitalismo é como uma bexiga. Ele precisa estar sempre recebendo ar para permanecer cheio, bonito e luzidio. Olhando por esta perspectiva, o capitalismo é um sistema autodestrutivo. Rubem Alves diz que “para existir e gozar saúde[o capitalismo], tem de estar num processo de crescimento constante: mais empregos, mais trabalho, mais devastação da natureza, mais monóxido de carbono no ar, mais lixo – seis bilhões de quilos de lixo por dia! – mais exploração dos recursos naturais, mais florestas cortadas, mais poluição dos mananciais... Até quando a frágil bolha suportará?” O capitalismo se expande sem fronteiras. E aonde chega instala as suas bandeiras que deixam marcas profundas na história e na saúde do planeta.

3. Capitalismo: fábrica produtora de desigualdade:

O capitalismo consagra a desigualdade, pois está eminentemente dividido em duas esferas eqüidistantes: de um lado temos aqueles que vendem a sua força de trabalho e, do outro lado, os detentores dos meios de produção. São duas entidades distintas, separadas por um fosso profundo. Aqueles que possuem os meios de produção compram a força de trabalho por baixos salários daqueles que não têm como produzir. Já estes não tendo os meios de produção são forçados a venderem aquilo que de mais preciosos eles têm: a força do seu trabalho.
Olhando desta perspectiva, aqueles que não têm condições mínimas de venderem a sua força de trabalho são excluídos, pois há no capitalismo, uma coisificação, objetização do ser humano. Não se valoriza o ser que é humano, mas quanto o ser humano pode contribuir com a sua força e inteligência à manutenção do sistema. Assim, o sistema torna-se um fim em si mesmo. Aqueles que não servem para preencher os interesses dos donos dos meios de produção acabam por serem completamente postos à margem. Cria-se desta forma, uma classe de excluídos.
O sistema capitalista não visa o bem dos seres humanos, nem possui um interesse de conservar a natureza. O capitalismo transforma seres humanos em mão de obra e degrada o meio ambiente, pois na sua gana utilitária, pouco importa para o capitalista a preservação e conservação do meio ambiente. Não é minha intenção nesse sentido fazer uma crítica ao capitalismo que o torne em algo imprestável, o responsável por toda a degradação do planeta, mas fazer uma leitura de como se dão as relações no mundo ocidental, que gera tanto desigualdade entre os homens, quanto uma degradação do meio natural e tem a sua base motora no capitalismo.
À frente tentarei demonstrar que uma “Nova História” pode ser escrita com ética e responsabilidade. Será possível utilizar os recursos naturais sem degradar os recursos naturais? Como estes recursos podem responder as necessidades humanas de maneira integrada com procedimentos mais amplos de proteção ativa e de gestão prudente do meio ambiente? Estas são questões que devem ser respondidas.

4. Ideário para construção de uma Nova História:

O escritor britânico Oscar Wilde disse certa vez que "um mapa do mundo em que não aparece o país Utopia não merece ser guardado." Nesse sentido, é importante sonhar as melhores utopias em favor do futuro da humanidade e do planeta terra. Um progresso responsável deve estar ao lado de um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, o consumo de recursos naturais deve estar sendo usado em prol das necessidades humanas, todavia este consumo deve ser realizado com amplas estratégias de proteção ativa e responsável, de uma gerência comedida e sensata da natureza.
É interessante notar que todos os candidatos a presidente, todos, indistintamente, de direita e de esquerda, prometem “progresso”. Mas nenhum deles promete preservar a natureza. Por que existe tamanho relaxamento, quando o que está em jogo é o futuro da humanidade? Se esta pergunta não for respondida com responsabilidade, uma afirmação impreterivelmente deve ser feita: o homem é o único animal a produzir a sua própria destruição. A ausência de uma consciência ecológica para a humanidade é o principal responsável pela atual situação de ameaça global.
Diante de um desafio tão grande como este que está à nossa frente configurado, algumas medidas importantes devem ser adotadas por todas as nações, pois se trata de um problema de dimensão global e que diz respeito a todo ser humano. Ignorar tamanho desafio é pôr em risco as próximas gerações. Para isso, é necessário criar redes de solidariedade global e de uma consciência ativa que age em favor da manutenção dos recursos não renováveis.

5. Por uma política que vise o natural:

A principal política que deve ser feito no século 21 é aquela que inclui a natureza no homem e o homem na natureza, sem que este último haja predatoriamente como fez nos últimos 500 anos de História. Os esforços devem ser envidados de todas as partes. Não se trata de uma ação das grandes instituições apenas, mas dos homens comuns também. Um dos fatores mais importantes é a adoção de medidas alternativas. Se os homens comuns deixarem de jogar garrafas de plástico nas praias e no mar, jogar latas de cerveja na mata, por exemplo, o planeta agradecerá. Se as matas ciliares forem respeitadas, o curso das águas poderão se manter vivos. Para isso é necessária uma ação governamental que priorize políticas sociais sérias a fim de diminuir os lapsos da desigualdade social e econômica. Uma vez que isso seja resolvido, loteamentos irregulares não serão criados próximos a áreas de proteção ecológica ativa, provocando o desaparecimento das nascentes de água.
Outro importante aspecto está vinculado ao consumo. O mundo não deve deixar de consumir, todavia o consumo deve ser feito com responsabilidade. Para isso é necessária a reciclagem. Todos devem ter consciência de que todos os bens de consumo são artefatos feitos a partir da transformação do natural e nada melhor do que ter uma consciência cidadã que busque priorizar a responsabilidade para com o meio natural. Entidades de proteção à natureza deveriam ser melhor visibilizadas como, por exemplo, a WWF, o Greenpeace e outros grupos que atuam em favor da manutenção da saúde do planeta.
Outro fator importante deve ser a descoberta de meios facilitadores para que o progresso da ciência e da tecnologia permaneçam como fatores que visam beneficiar a humanidade, sem comprometer os recursos que a natureza levou milhões de anos para criar. Que os países desenvolvidos entendam que é possível continuar a ser uma grande potência sem utilitarismo ou pragmatismo. Porque o pragmatismo e o utilitarismo nem sempre levam em conta a justiça e a ação que beneficia a maior parte. Pragmática do ponto de vista filosófico é a ação que não está preocupada com os meios – se serão éticos, se obstruirão a ordem, se “destruirão” a ética – mas unicamente com os fins.
A adoção de medidas que diminuísse o despejo de toneladas de gases venenosos na atmosfera deveria ser outra questão das questões mais urgentes. Combustíveis fósseis, materiais pesados como os derivados de petróleo deveriam passar por um processo de tratamento mais eficaz. O diesel deveria ser queimado de maneira mais limpa com tecnologias melhoradas. James Hansem diz que medidas simples e criativas seriam significantes para o melhoramento das condições de vida no planeta:

Reduzindo a fuligem também teríamos benefícios econômicos, tanto pelo decréscimo das perdas de vida como em trabalho-anos (partículas minúsculas de fuligem levam compostos orgânicos tóxicos e metais para os pulmões) e aumento da produtividade agrícola em certas partes do mundo. As fontes primárias de fuligem são o diesel e biocombustíveis (madeira e esterco de vaca, por exemplo). Estas fontes precisam ser consideradas por razões de saúde. Deve haver soluções ainda melhores, tais como combustível de hidrogênio, que eliminaria precursores de ozônio, bem como fuligem[2].

Muitas das importantes medidas a serem adotadas para melhoria da existência do planeta, deve ter como principal base o encadeamento de políticas que vise o natural como principal elemento para a sustentação da vida no futuro. Se tais medidas não forem adotadas e incentivadas por governos, igrejas, Organizações não Governamentais, associações de moradores, partidos políticos, universitários conscientes, agremiações estudantis, políticos, professores, pais responsáveis, o futuro do planeta será tenebroso. Trata-se de um esforço conjunto e necessário. O que está em jogo são dois sujeitos: o homem para continuar existindo e a natureza para manter a sua saúde em bom estado. Isso será de importância vital para as próximas gerações.

[1] James Hansen, Scientific Americam Brasil, A bomba-relógio do aquecimento global – Deter o processo requer cooperação internacional urgente e sem precedentes, Edição N.º 23 – abril de 2004 – www.scientificamericanbrasil.com.br
[2] Idem.

Por Carlos Antônio M. Albuquerque

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