quarta-feira, dezembro 31, 2008

Ano Novo

As pernas passam apressadas lá fora.
Muitos sonhos e expectativas
Também são alimentados esta noite.
Conversas, viagens, confraternizações,
A gola aberta para a solidariedade.
O resto do ano é murro, é força,
É suor, é choro.
Rojões, fogos-de-artificio, estrondos;
Alaridos, gritos, sussurros.
O momento extremo.
É como se um dia, horas,
Tivesse o poder para nos fazer novos.
Somos os mesmos.
Mudam as disposições mentais.
Enquanto isso, esperanças são cosidas,
Tecidas, alinhavadas, costuradas, esta noite.
O mundo é um grande templo de sonhos.
Os olhos se levantam para o céu.
Brotam desejos do asfalto, da praia, do mar.
Promessas emuladas, cantadas.
Augúrios surgem em propulsão.
Os homens sonham.
A matéria invisível do tempo
Insere novas possibilidades.
É como se os minutos, as horas, os dias,
Fizesse caducar um ano inteiro de frustrações
E descontentamentos acumulados.
Esses rituais são necessários para
Deixarem os homens vivos.
Amanhã uma nova estação surgirá
Para que pensemos no ponderável.
Começa a novidade, a possibilidade virgem.
Essa página branca será borrada pelo uso:
Luta, murro, suor, lágrimas.
E tempo trará os minutos, as horas,
Os dias, os meses, o ano novo.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: quarta-feira, 31 de dezembro de 2008, 11:22:01.

segunda-feira, dezembro 22, 2008

Panegírico a um cativamento

Há muito tempo que reunia motivos para escrever algo para cada um dos senhores. Mas, motivos tenho em demasia, por isso, antes de botar o que tenciono no papel, quero dizer que sinto existir um livro abstrato aqui comigo desejando se tornar matéria, substância. Não se trata de motivos. Talvez, disciplina , organização.
Hoje à tarde enquanto manuseava um livro de poemas da Cecília Meireles, a lembrança dos senhores se avivou em minha saudade. Rebentou inevitavelmente como uma bolha de sabão. Cobrou de mim a sua existência. Declarei-me vencido. Não há o que contestar contra esse imperativo. Diz a Cecília: “Minha canção vai comigo/ Vai doce/ Tão sereno é o seu compasso/ que penso em ti, meu amigo/. – Se fosse, em vez de canção, teu abraço”[1]. Singelamente, ao fundo toca uma canção, uma música com poderes evocadores. A música, porém, poderia ser substituído pela companhia dos senhores.
Outro texto que me veio à lembrança foi uma passagem belíssima do livro “O Pequeno Príncipe” de Saint-Exupérry. O trecho aborda o problema da saudade cativada, da presença que um dia foi e que se tornou memória. A memória revive o desejo por intermédio do símbolo, que faz a mediação entre o evento que foi e aquilo que ficou aprisionada como memória no espaço interior de nossa necessidade.

XXI

E foi então que apareceu a raposa:
- Boa dia, disse a raposa.
- Bom dia, respondeu polidamente o principezinho, que se voltou, mas não viu nada.
- Eu estou aqui, disse a voz, debaixo da macieira...
- Quem és tu? perguntou o principezinho. Tu és bem bonita...
- Sou uma raposa, disse a raposa.
- Vem brincar comigo, propôs o principezinho. Estou tão triste...
- Eu não posso brincar contigo, disse a raposa. Não me cativaram ainda.
- Ah! desculpa, disse o principezinho. Após uma reflexão, acrescentou:
- Que quer dizer "cativar"?
- Tu não és daqui, disse a raposa. Que procuras?
- Procuro os homens, disse o principezinho. Que quer dizer "cativar"?
- Os homens, disse a raposa, têm fuzis e caçam. É bem incômodo! Criam galinhas também. É a única coisa interessante que fazem. Tu procuras galinhas?
- Não, disse o principezinho. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
- É uma coisa muito esquecida, disse a raposa. Significa "criar laços..."
- Criar laços?
- Exatamente, disse a raposa. Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...
- Começo a compreender, disse o principezinho. Existe uma flor... eu creio que ela me cativou...
- É possível, disse a raposa. Vê-se tanta coisa na Terra...
- Oh! não foi na Terra, disse o principezinho. A raposa pareceu intrigada:
- Num outro planeta?
- Sim.
- Há caçadores nesse planeta?
- Não.
- Que bom! E galinhas?
- Também não.
- Nada é perfeito, suspirou a raposa.
Mas a raposa voltou à sua idéia.
- Minha vida é monótona. Eu caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e todos os homens se parecem também. E por isso eu me aborreço um pouco. Mas se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me fazem entrar debaixo da terra.
O teu me chamará para fora da toca, como se fosse música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo? Eu não como pão. O trigo para mim é inútil. Os campos de trigo não me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos cor de ouro. Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é dourado, fará lembrar-me de ti. E eu amarei o barulho do vento no trigo...
A raposa calou-se e considerou por muito tempo o príncipe:
- Por favor... cativa-me! disse ela.
- Bem quisera, disse o principezinho, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a descobrir e muitas coisas a conhecer.
- A gente só conhece bem as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer alguma coisa. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me! - Que é preciso fazer? perguntou o principezinho.
- É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te sentarás mais perto...
No dia seguinte o principezinho voltou.
- Teria sido melhor voltares à mesma hora, disse a raposa. Se tu vens, por exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz. Quanto mais a hora for chegando, mais eu me sentirei feliz. Às quatro horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade! Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar o coração... É preciso ritos.
- Que é um rito? perguntou o principezinho.
- É uma coisa muito esquecida também, disse a raposa. É o que faz com que um dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus caçadores, por exemplo, possuem um rito. Dançam na quinta-feira com as moças da aldeia. A quinta-feira então é o dia maravilhoso! Vou passear até a vinha. Se os caçadores dançassem qualquer dia, os dias seriam todos iguais, e eu não teria férias!
Assim o principezinho cativou a raposa. Mas, quando chegou a hora da partida, a raposa disse:
- Ah! Eu vou chorar.
- A culpa é tua, disse o principezinho, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te cativasse...
- Quis, disse a raposa.
- Mas tu vais chorar! disse o principezinho.
- Vou, disse a raposa.
- Então, não sais lucrando nada!
- Eu lucro, disse a raposa, por causa da cor do trigo
[2].

Estas são uma das páginas mais belas e ternas da literatura universal, escritas pelo grande escritor francês Saint-Exupérry. Trata-se de um diálogo simples, quase infantil e que celebra a amizade, a saudade. Escolhi este texto, pois sei que traduz com bastante significância “o cativamento” que criamos mutuamente. Começamos todos ali na 602 Sul. Éramos todos estranhos. Olhamo-nos inicialmente com certo espanto no respeito. Mas aos poucos, enquanto surgiam as necessidades (os trabalhos, apresentações, leituras), fomos nos cativando uns aos outros. Isso se deu de tal modo que um espírito crescente de amizade se fez presente, criou uma espécie de cola que nos uniu.
Passaram-se três anos e encontramos algumas referências, nomes inesquecíveis – professores e alunos: tivemos num único semestre a presença do inesquecível Francisco Agrimar, figura fabulosa. Professores como Dioney Gomes, Veruska Machado, Carlos Mota, Maria das Graças, Cátia Martins, Mário Bispo, Ricardo. Creio que fomos cativados por esses mestres. Figuras que se inscreveram de forma completa em nossa existência. Fomos para a 609 Norte e lá conhecemos o Clerton, a Sarom e outros mestres. Tivemos dificuldades com a distância e com a estrutura capenga da nova faculdade. Fomos vítimas de uma instabilidade. Seguiram-se dias de rumores. Estudamos num “subsolo executivo”, em salas ordinárias, num espaço deficitário. Aquilo aturdiu-nos.
Até que fomos encaminhados para a 702 Norte. Em três anos, mudamos três vezes – uma a cada ano. Nossa graduação foi marcado pelo nomadismo. Mudamos de marca três vezes – primeiro Imesb, depois Unireal e, por último, Fortium. Todavia, sei que se tornou consenso a cada um de que sempre levaremos em nossos corações o Imesb como nosso espaço de celebração, de amizade, de “cativamento”.
Não poderia deixar a oportunidade de cumprimentá-los. De desejar-lhes uma humilde nota de elogio. Quero afirmar que foi enriquecedor está com cada um dos senhores nestes quase três anos de caminhada. Importante mesmo! Os “campos de trigo” do meu espaço interior permanecerão sempre vivos, assim como esteve para a raposa. A amizade deve ser celebrada, também, porque aconteceu. Quero dizer que fui cativado pelos senhores. Não saio perdendo, sem lucro, fica em mim marcada a lembrança daquilo que foi. Trata-se de uma força sempre viva, que possui auto-causação. No futuro, desejo que o “meu campo de trigo”, permaneça vivo. Para isso, regarei com as lágrimas da minha saudade.
Rubem Alves falando dessa mesma passagem diz que a imagem do campo de trigo é um símbolo evocador de uma ausência. “O Pequeno Príncipe retrucou: “ Não é culpa minha. Eu não queria te cativar. Agora você vai chorar. Qual foi a vantagem?” Respondeu a raposa: “ A vantagem? Os campos de trigo. Eu sou uma raposa. Como galinhas. O trigo me é indiferente. Mas você me cativou. Seu cabelo é louro. Os campos de trigo são dourados. Porque você me cativou sempre que o vento balançar as espigas douradas de trigo eu me lembrarei de você. E sorrirei...” É isso que é um sacramento: uma imagem carregada de emoções. O sacramentos são símbolos que têm o poder de invocar ausências”[3]. A minha saudade regará o meu sacramento. Conhecemo-nos e nos separamos, pois a vida implica nisso. Chegamos e partimos com bastante rapidez.
Diz Rubem Alves em outro texto denominado “A chegada e a despedida” que as chegadas e as despedidas fazem parte da vida, assim como o dia que se despede com a chegada da noite ou a noite com a chegada do dia: “A vida começa com uma chegada. Termina com uma despedida. A chegada faz parte da vida. A despedida faz parte da vida. Como o dia que começa com a madrugada e termina com o sol que se põe. A madrugada é alegre, luzes e cores que chegam. O sol que se põe é triste, orgasmo de luzes e cores que se vão. Madrugada e crepúsculo, alegria e tristeza, chegada e despedida: tudo é parte da vida, tudo precisa ser cuidado. A gente prepara, com carinho e alegria, a chegada quem a gente ama. É preciso preparar também, com carinho e tristeza, a despedida de quem a gente ama”[4].
Um abraço a cada um dos senhores, trigos de minha inspiração. Boas festas, bons sonhos!
P.S. A ilustração acima faz parte do livro "O Pequeno Príncipe".

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: segunda-feira, 22 de dezembro de 2008, 13:46:08.
[1] MEIRELES, Cecília. Flor de Poemas. Rio de Janeiro e São Paulo. Ed. Record. 1983, p.83.
[2] Disponível em http://br.geocities.com/lidijunior/principe.
[3] Quarto de Badulaques XXXVIII.
[4] ALVES, Rubem. Concerto para corpo e alma, 13ª. Edição. Campinas- SP: Papirus, 2007, p. 130-131.

sábado, dezembro 20, 2008

A feira

O mundo é um grande mercado.
Vendem-se todas as coisas.
Há compradores para todos os artefatos.
As mercadorias são de variados gêneros:
Há casas à venda;
Móveis em liquidação;
Obras de arte em empórios;
Panelas e badulaques em armazéns;
Carros em concessionárias.
Armas em lojas especializadas;
O corpo (sexo) nas esquinas escuras
Ou à luz, em pleno dia;
Órgãos humanos no mercado negro;
Drogas pelo tráfico;
Curas pelos sacerdotes;
Esperanças em seminários;
Saúde em academias e hospitais;
Educação nas escolas e faculdades;
Pílulas que aliviam e acalmam
Nas farmácias;
Terras públicas por especuladores;
Salvação eterna em nichos religiosos;
Aprovação em concurso público;
Desintoxicação em clínicas especiais;
Roupas em lojas de departamento;
Companhia e cuidado em asilos;
Ações na bolsa de valores;
Relíquias antigas em leilões;
Serviços em licitações;
Felicidade em livros de auto-ajuda;
Viagens em pacotes turísticos;
Imóveis em consórcios;
Fama em agências de publicidade;
Pedaços do Muro de Berlim pela internet;
Fugas vazias em balcões de bares;
Cursos por correspondência;
Conselhos em empresas de consultoria;
Safarias nas savanas africanas;
Animais em espaços clandestinos;
Dinheiro em instituições financeiras.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 05 de dezembro de 2008.

terça-feira, dezembro 16, 2008

Cantos

As cigarras cantam plangentemente
Nos galhos tortos das árvores.
São cantos vaticinadores:
A chuva vem.
Vem com seus encantos.
Com o seu tamborilar imperioso.
Os mosquitos brincam no ar.
O verde vomita fragrâncias
E exibe-se – a natureza.
Tantos choros,
Tantos lamentos.
A natureza comemora
Os seus encantos.
Grasnados canoros.
A hora infinda escorre com vagar.
O tempo dentro de mim
Move-se como uma serpente.
A diferença:
Fora, vagar e comemoração;
Dentro, apenas o silêncio
E a eternidade.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: sexta-feira, 27 de outubro de 2006, 18:27.

sexta-feira, dezembro 12, 2008

Impertubabilidade

A vida que se gasta como
A linha de um carretel.
O problema que acontece do
Outro lado da esquina não é
Sentido do lado de cá.
Impressionamo-nos com o baque
Surdo da queda.
Alvoroçamo-nos porque habitua-se
Fácil aos fatos fantásticos.
Acontece a correria como motivo para
Satisfação da curiosidade.
Após está satisfeito,
A vida pode sar continuidade ao
Seu fluxo imperturbável.
Todos os dias há quedas.
Mas o outro, também, está
Imperturbável.

Por Carlos Antônio Maximino de Albuquerque
Data: 25/12/2005, domingo, Goiânia-GO, 10:04:20 AM

terça-feira, dezembro 09, 2008

Coisas IX

Ser-me-ia interessante aprender sobre as coisas
Do céu, da terra e do ar.
Nesta tarde chuvosa na minha alma.
Parece que tudo está impregnado de umidade.
A vida está úmida, sensível, romantizada.
As desolações dos homens são sonhos desfeitos,
Mal apalpados, mal fecundados pelo ventre
Grávido da vida.
O que é você? Já parou para perguntar.
Seja claro com você e talvez não tenha
Uma resposta satisfatória e de confiança.
O meu mundo não é o teu mundo, por isso
Não chove com tanta freqüência e intensidade.
As brochuras que nos dão para estudar não tem
Todas as coisas necessárias para se viver bem.
É aí que temos que achar sozinhos as respostas satisfatórias
E que nos conduza por esta vida tão inopinada.
A vida é sonho! Acredite.
A diferença entre o pesadelo e o encanto está na forma
Que você ver as coisas.
Eu vejo castelos de areia que são roídos pelo
Vento implacável da tempestade que sai do mar da vida.
Apenas entendo que enxergar tempestade é ser fiel
À vocação a que somos chamados.
Mas também vejo um jardim com borboletas que
Voam e levam o pólen que fecundará outras flores
De alegria que brotam neste solo fértil que está
Sob nós.
A diferença está apenas no olhar as coisas.
E, agora, o que você está vendo?

Por Carlos Antônio M. Albuquerque
Data: 24/10/2003 11:57:56, sexta-feira.