quarta-feira, dezembro 14, 2011

Clarice, literatura e mistério - 91 anos

Apesar de já terem passado 4 dias (pois no último dia 10 de dezembro completaram-se 91 do nascimento de Clarice Lispector), não pude me esquivar da tarefa de escrever algumas linhas magras sobre uma das maiores filósofas da literatura brasileira do século XX. A consciência me impulsinou, me fustigou para que desse vida a algumas inquietações sobre essa que é considerada por muitos como uma das maiores escritoras de nosso país de todos os tempos. É um susto ler Clarice. E corroborando com a ideia de susto, Clarice tem permanecido um mistério para críticos e leitores. Há um mundo surdo, silencioso e aterrorizante em seus escritos.

O que dizer de Macábea, potencializadora de teses sobre o indíviduo-nada, mas que encontra a redenção na morte? Ou de G.H, personagem anônima, filha dos grandes centros, constituidora dos aglomerados da burguesia, que vive uma crise de nada ser, mas que parece adquirir uma redenção catártica quando come uma barata, numa metamorfose à la Gregor Samsa (Kafka)? Clarice - repito - é um mistério. Pessoalmente, a escritora era tímida. Sua voz possuía um sotaque enviesado. Nascida na Ucrânia, veio para o Brasil com um ano de idade, fuginfo da perseguição bolchevique contra os judeus (1921). Morou em Maceió e no Recife. Depois se estabeleceu no Rio de Janeiro. Aos poucos se lança pela literatura. Foram mais de 30 anos intensos de escrita - romances, crônicas, cartas, contos, literatura infantil.

A percepção do texto clariceano é terrificante. Ela é a tradutora de uma linguagem incofessável que se esconde nos interstícios do ser - dela mesma e do outro. Diria que Clarice Lispector é a Virgínia Woolf brasileira. Clarice é a dona de casa que vive em meio ao caudal burguês. Criava os filhos, dava ordens à empregada, fazia compras, falava com os amigos ao telefone. Mas, a maior parte do tempo, debruçava-se sobre a máquina de escrever e redigia os seus textos densos dela mesma. É possível conhecê-la por trás do manto de tantos personagens - a maioria deles mulheres. É possível sentir o seu cheiro em cada descrição que faz dos personagens; suas inquietações, sua intimidade escondida por trás da seriedade.

Uma observação que fazemos quando lemos o seu texto é intuição de que ela está à procura da palavra que realizará o personagem. É como se a vida dependesse daquela fala, daquele sentido, daquela semântica para que a existência ganhasse significado. Mas o que se deseja não brota. Está fincado no chão estéril da vida, de onde nada nasce, a não ser o absurdo que se amplifica à medida que a percepção do personagem aumenta. O grito entalado no fundo do ser, a palavra que ribomba e que não quer sair cria uma espécie de mistificação. Em Clarice a palavra sussurra a sua verdade à vida escondida na bruma do cotidiano. Analisando por esse ponto de vista, é uma literatura que pensa e analisa do homem do nosso tempo. O homem urbano, acondicionado, acostumado e domesticado ao enlace diário de repetir comandos e que nunca pensa a respeito de si mesmo.

* Abaixo, o trecho de uma entrevista gravada com ela em 1977. Esta entrevista foi concedida ao jornalista Jaime Lerner. Clarice morreria naquele ano vitimada por um câncer que se alastrou em seu útero. A entrevista nos dá uma visão mais aproximada de quem era a escritora - embora esta estivesse um pouco combalida por causa da doença terrível que lhe roía as estranhas.

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