sábado, dezembro 31, 2011

Eu, Jorge Luis Borges, Santo Agostinho e o tempo

Neste instante, em que nossa caminhada nos faz chegar aos portões de uma zona imaginária, paro e reflito sobre tal efeito simbólico - 31 de dezembro, último dia do ano. Amanhã, o hoje não mis será. Penso em Janus, deidade mítica romana, capaz de olhar para frente e para trás simultaneamente. Considera o futuro, mas ainda está preso ao passado - é presente. Janus, porteiro do Monte Olimpo, também era o deus da dúvida, pois uma cabeça considerava o passado e, a outra, o futuro. Eu, de forma semelhante, estou com os pés fincados no presente, mas os meus olhos vislumbram as colinas afastadas do futuro; a minha mente é uma porta dimensional, condutora dos fatos e eventos acontecidos - alguns que já se gastaram e foram esquecidos; outros, que ainda persistem e já se tatuaram no meu, deixando os seus efeitos. Sou o intervalo entre o ontem e o manhã no tempo, essa força invísivel, criada para nos fatigar e determinar a nossa finitude. O tempo é consciência do que se espera no hoje, sendo que no ontem eu já esperava pelo hoje, e é no hoje que se espera pelo amanhã, tendo a consciência de que se é neste momento chamado hoje e projetando uma expectativa para aquilo que ainda não é e chamamos de futuro.

"O tempo é um problema para nós, um terrível e exigente problema, talvez o mais vital da metafísica; a eternidade, um jogo ou uma fatigada esperança"

(Jorge Luis Borges, in História da Eternidade, p. 6)


"Rubayat

Volte em minha voz a métrica do persa
A recordar que o tempo é a diversa
Trama de sonhos ávidos que somos
E que o secreto Sonhador dispersa.

Volte a afirmar que é a cinza o fogo,
A carne o pó, o rio o fugidio
Reflexo de tua vida e de minha vida
Que lentamente se nos esvai logo.

Volte a afirmar que o árduo monumento
Que constrói a soberba é como o vento
Que passa e que, à luz inconcebível
De Quem perdura, um século é um momento.

Volte a advertir que o rouxinol de ouro
Canta uma única vez no sonoro
Ápice da noite e que os astros
Avaros não prodigam seu tesouro.

Volte a lua ao verso que tua mão
Escreve como transforma no temporão
Azul o teu jardim. A mesma lua
Desse jardim há de procurar-te em vão.

Sejam sob a lua das ternas
Tardes teu humilde exemplo as cisternas,
Em cujo espelho de água se repetem
Umas poucas imagens eternas.

Que a lua do persa e os incertos
Ouros dos crepúsculos desertos
Voltem. Hoje é ontem. És os outros
Cujo rosto é o pó. És os mortos".

(Jorges Luis-Borges, in Elogio da Sombra, p. 24)

"Que é, pois, o tempo? Quem poderá explicá-lo clara e brevemente? Quem poderá apreender, mesmo só com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seu conceito? E que assunto mais batido nas nossas conversas do que o tempo? Quando dele falamos, compreendemos o que dizemos. Compreendemos também o que nos dizem quando dele falam. O que é, por conseguinte, o tempo? Se ninguém mo perguntar, eu sei; se o quiser explicar a quem o pergunta, já não sei. Porém, atrevo-me a declarar, sem receio de constatação, que, se nada sobreviesse, não haveria tempo futuro, e se agora nada houvesse, não existiria tempo presente".

(Santo Agostinho, in As Confissões p. 322)

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