domingo, março 18, 2012

Sábado Movie - Trier, Wagner e a "Melancolia" do fim do mundo

Fica-me uma sensação dúbia todas as vezes que assisto a um filme de Lars Von Trier. Inicialmente, fico pensando naquela abordagem simbolicamente excessiva. Penso que se trata de exagero, de megalomania. Mas, acabo tendo que concordar que Trier é um dos grandes diretores atuais. Não pretendo fazer uma reflexão contundente sobre o último filme que vi ontem (Melancolia, de 2011) - até por que me falta paciência e cabedal técnico para isso. Mas, ao ver os filmes de Trier fico refletindo que, no diretor dinamarquês, a superfície não é "aquilo" que ele quer que pensemos, que nos incomodemos.

O mar de Trier é vasto, imenso. Olhamos para a superfície e vemos o aparente. É no fundo, no símbolo, que está a sua reflexão mais refinada. Observando os seus dois últimos filmes - O Anticristo e Melancolia - vemos que este é mais simples do que aquele. O primeiro é um mergulho nos símbolos. É tão estereotipado que chega a irritar. Trier já criou uma marca - suas obras são reflexões duras, pungentes e de dores lancinantes. Em O Anticristo a fotografia vai do etéreo-poético da cena inicial, ao inferno telúrico da floresta. Da cena de amor embaixo da água, no qual vemos um pênis penetrar uma vagina como se aquilo fosse poesia da natureza, à agonia de um bloco de concreto amarrado à perna do personagem. Do abraço dos corpos abandonados ao prazer, à dor de perder o filho. Ou seja, o filme é uma tentativa de nos fazer silenciar. De ser convincente sob o ponto de vista psicanalítico. Trier quer nos atacar em todo tempo. O grande problema é que Trier ao fazer isso, não o faz com a naturalidade de um Bergman ou de um Tarkovski, cineastas cujas obras o dinamarquês se inspira.

Em Melancolia, uma obra de ficção científica, mas com requintes profundos de agonia, dor, depressão; e o cético e estóico sobrepondo-se à inocência e ao otimismo que, no fim, não nos leva a lugar nenhum, pois a vida na terra não vale a pena. Tese dura e cortante de Trier. Como aquele tese anti-humana de Dogville. Seguindo os pressupostos do Dogma 95, Trier não insere trilha sonora em Melancolia. A única sonoridade que surge é a Abertura da ópera Tristão e Isolda, uma das peças mais viscerais da história da música. Wagner torce a possibiliadade de fazer uma obra musical. Nunca vi o início de uma obra falar tão cética, negativa e tragicamente quanto aquela de Wagner. Melancolia insere a obra de Wagner, como se a obra do compositor alemão fosse uma leitmotiv (grande ironia de Trier), que nos leva a repisar a dor antes já sugerida na abertura do filme. O início do filme já nos sugere o fim. O planeta Melancolia colidirá com a Terra. Não restará nada.

Ninguém sentirá falta desse planeta insignificante da Via-Láctea. A vida na terra é um equívoco. Não existe saída. Estamos abandonados em um universo frio. Para que não sucumbamos, criamos linguagens, símbolos, explicações mirabolantes. Casamo-nos. Viajamos. Temos filhos. Acreditamos que deixaremos um mundo mais justo e digno para as próximas gerações. Acreditamos nos imperativos categóricos. Mas não passamos de um planeta cuja grandeza é o nosso próprio desvalor. No fundo, a tese que sobra é que as leis universais não cedem às nossas poesias e explicações religiosas. Nem mesmo a ciência é capaz de explicar e trazer otimismo, estabilidade e segurança às nossas consciências. O otimismo da ciência sucumbe ante ao poder enorme das forças incontroláveis. Nossos saberes são anêmicos e não fazem cócegas no grande, no imponderável.

O final do filme é de uma beleza extraordinária. O planeta Melancolia, cresce, agiganta-se, aproxima-se da Terra, as personagens Claire (Charlotte Gainsbourg), Justine (Kirsten Dunst) e Leo (Cameron Spurr) amparam-se embaixo de uma construção de gravetos. Seria a "caverna mágica", uma tentativa de construir um síbolo contra o caos, ou seja, contra a catástrofe apocalíptica iminente? O fato é que, por mais que enxerguemos exageros em Trier, ao final, sempre aquiescemos que suas produções nos tiram do lugar comum.


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