terça-feira, julho 31, 2012

A propósito de uma leitura sobre Marcelo Gleiser II

 "A ciência moderna revelou as causas desses eventos, mostrando que o que antes era atribuído aso deuses é só uma manifestação de fenômenos naturais segundo leis específicas. Essa mudança de atitude com relação á Natureza é muitas vezes condenada por líderes religiosos mais extremos ou por aqueles que acreditam que "entender" a Natureza tira a sua beleza, que entender a física por trás dos fenômenos celestes exerciza a sua magia. Muitos pelo contrário; eu afirmo que a compreensão da dinâmica celeste apenas aumenta nossa admiração pela beleza do cosmo". 
Marcelo Gleiser, O fim da terra e do céu, p. 146

Aos dois leitores impacientes que chegaram a esse espaço por causa de uma conflagração de um "acidente internético", dirijo as palavras incipientes que se seguem. Atualmente estou lendo Doutor Fausto, de Thomas Mann (que está de lado por enquanto) e O fim da terra e do céu, de Marcelo Gleiser (que estou simplesmente embasbacado). Gleiser é um sujeito de uma mente fina, de pensamento especulativo rico, que nos faz imaginar coisas e afirmar: "Minha nossa! Eu sou uma minhoca cósmica. Alguém que está aqui pelos sucessivos poderes criativos da natureza e não por uma teleologia eminentemente divina". 

Quando leio a respeito da grandiosidade do cosmos e os números que exatificam as proporções infinitas daquilo com a qual não estamos acostumados mensurar, lembro imediatamente da frase de Pascal: "Esses espaços infinitos me apavora". E, de fato, olhar o céu, esse grande pergaminho que serve a tantas interpretações e que no decorrer da história foi alvo de tantas leituras, aturde-nos. Foi com medo ou talvez admirado com aquilo que não podia controlar que os homens forjaram "mundos" para tentar explicar aquilo que não conseguiam entender. Mas ao criar o sobrenatural, a finalidade dessa busca era afirmar a si mesmo.

O que somos? Qual o nosso valor? Hoje, enquanto vinha para casa e me encontrava no metrô, fiquei observando as várias pessoas que estavam no mesmo vagão em que eu estava. Os mais variados tipos: adolescentes com ar despreocupado, o almofadinha da repartição pública, o operário da construção civil, o tipo importante a portar o celular da última geração; mulheres ostentando a aparência de importância. Olhei aquilo como que vendo um desfile de tipos. Não estou julgando aquelas pessoas, apenas argumentando que vivemos como se fossêmos os mais importantes dos seres e não percebemos que somos seres passageiros em um planeta que também é passageiro. Segundo os cientistas, o Sol está na metade da vida. Atualmente ele possui cerca de 10 bilhões de anos. Viverá mais 10 e aí virá o fim. E com o fim dele, virá também o fim de todos os corpos e seres que dependem da energia liberada pela queima de gases.

Num passado bem longíquo não existíamos. Passamos a existir graças aos ciclos naturais, às mudanças perpetradas no decorrer de milhões de anos. Os dinossauros, por exemplo, ficaram sobre a Terra por cerca de 150 milhões de anos. Mas, em dado momento do tempo, deixaram de existir e se assim aconteceu foi por causa das condições naturais: climáticas, atmosféricas etc. Para que existamos e não sucumbamos diante de um cataclismo, não é necessário a priori que tenhamos inteligência, mas que as condições ambientais nos sejam favoráveis. A natureza que fez com que os dinossauros deixassem de existir é a mesma que fez com que o homem surgisse. Todavia, essa mesma natureza que cria, pode também destruir. Na natureza, não existem julgamentos morais do que é bom ou é ruim. O bom e o mal só existem a nível humano.

Afirmamos que existem o bem e o mal, porque criamos um índice de valoração para os eventos que existem a nível de mundo humano. Ou seja, uma alga não sabe o que é o bem nem o que é o mal. A gravidade não conhece o que é bonito nem feio. Um aminoácido não sabe o que é o pecado nem a virtude. Ela apenas é e obedece a comandos determinados por uma lei natural. Foram condições proporcionadas pelo mundo natural que permitiram ao homem chegar a ser o que é. 

Sendo assim, enquanto os dinossauros estiveram sobre a terra por mais de cem milhões de anos e foram extintos há sessenta milhões de anos atrás, os primeiros hominídeos (da qual o homem faz parte) surgiram aproxidamente há dois milhões de anos atrás. Ou seja, um lastro de tempo consideravelmente insignificante. O homem como o conhecemos hoje está por aqui há cerca de cinquenta mil anos. Com isso, notamos que esse ser que é capaz de criar juízos de valores e se impressiona com os artefatos que produz é um ser que não percebe o tamanho do seu desvalor.
Criamos cultura. Altares para nossas divindades. Tronos para os nossos reis. Pedestais para o nossos ídolos. Música para nos alegrar. Poesia para nos embevecer. E em um Planeta pequeno, composto por gases, água e rocha, vive um ser que até hoje não conseguiu se achar. E para que deixemos de existir não é necessário que algo extraordinário aconteça, que uma força sobrenatural nos trague.

Por exemplo, em 1994, eu ainda era um adolescente. Aconteceu algo que poucas pessoas lembram, mas que marcou minha adolescência. Recordo que a TV mostrou os fragmentos do cometa Shoemaker-Levy 9 se chocando com a atmosfera do planeta Júpiter. Dudante seis dias, o planeta gigante do Sistema Solar foi bombardeado por esses corpos. Foi um espetáculo que produziu beleza e terror, pois se o Shoemaker-Levy 9 tivesse se chocado com a Terra não estaríamos aqui agora para contar história. Os fragmentos do cometa estavam soltos pelo Sistema Solar por aproximadamente 5 bilhões de anos e foram atraídos para a atmosfera de Júpiter. Segundo as palavras de Glaiser:

O cometa permaneceu nessa órbita alongada em torno do Sol até o século passado, quando a atração gravitacional de Júpiter acabou por provocar a colisão; cada um dos seus fragmentos chocou-se com a parte superior da atmosfera a velocidades acima de 200 mil quilômetros por hora, liberando mais de 25 megatóns de TNT de energia. O planeta Júpiter é onze vezes maior do que a Terra, e sua massa, trezentas vezes maior do que a do nosso planeta. [...] Cada fragmento foi identificado por uma letra, na mesma ordem de impacto. O fragmento A atingiu a parte superior da atmosfera de Júpiter pouco antes das dezesse horas do dia 16 de julho. Sua explosão devido ao impacto criou uma bola de fogo gigantesca, levantando uam coluna de detritos com mais de 3 mil quilômetros de altitude. Ao retornrar ao planeta, os detritos criaram uma mancha negra com um diâmetro equivalente a um terço do diâmetro da Terra. E essa foi a primeira colisão! O mesmo padrão repetiu-se após o impacto de um dos fragmentos observados (alguns escaparam ao campo de observação): [...]  O fragmento G, um dos maiores, deicou uma mancha de dimensão comparável à dimensão da Terra. (o destaque é meu).

O que é curioso nisso tudo é que isso não nos inclina a refletirmos o quanto somos frágeis em nossa condição. Não somos sustentados por uma vontade divina ou sobrenatural. Somos o resultado da combinação de "acasos naturais" - embora, a natureza em seu curso nunca permita que algo exista sem que leve a uma nova etapa. Ou seja, nada é gratuito na natureza. Tal pensamento não deve nos deve lançar em um fatalismo, mas admirar essa harmonia da dança cósmica. Essa harmonia que como disse certa vez Carl Sagan: "Deve nos fazer admirar esse milagre". O milagre não é algo essencialmente sobrenatural, mas natural. O acontecimento fantástico não reside a nível extra-humano, mas no tempo e na conjuntura em que se encontram os homens. Sigamos com a leitura!

Abaixo, dois vídeos explicitando o evento com o Shoemaker-Levy 9. 


 

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