quinta-feira, maio 30, 2013

Algumas impressões sobre o filme "Somos tão jovens", que conta os anos iniciais da carreira de Renato Russo

O filme "Somos tão jovens", do diretor Antonio Carlos Fontoura, deixou-me impressionado com a atuação do ator Thiago Mendonça. Ficou claro que o ator estudou com bastante atenção os trejeitos, os cacoetes e todo o mundo existencial de Renato Russo, vocalista e principal nome da Legião Urbana. O longa mostra a cena política e cultural de Brasília no final dos anos 70 e início da década de 80. 

O filme foca a atenção no espaço do Plano Piloto, região da Capital Federal onde mora a burguesia da cidade - servidores públicos do auto-escalão do Estado, políticos, diplomatas etc. Renato Russo, por exemplo, era filho de um economista do Banco do Brasil. O jovem Renato morara nos Estados Unidos e, na Capital Federal, estudou no Colégio Marista, uma das escolas mais tradicionais e influentes, ainda hoje, aqui em Brasília.

A obra não busca mostrar toda a vida do líder da Legião Urbana. Foca no curto espaço de 16 aos 22 anos. E é, por isso, que deixa a impressão de obra inacabada. Quando menos se espera, o filme acaba. Mas, a produção de Antonio Carlos Fontoura é convicente.

De 1964 a 1985, o Brasil experimentou um dos períodos mais escuros da sua história. Esse período que ficou conhecido como Ditadura Militar, trouxe repressão e censura. Vale mencionar que no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, o capitalismo vivia um período de crise. O movimento punk surgira na Inglaterra nos bairros operários e se espalhara pelo mundo. Bandas como The Sex Pistols ou The Clash haviam surgido na Inglaterra com uma atitude panfletária e rebelde. Nos Estados Unidos bandas como The New York Dolls e Ramones também marcaram o compasso. As roupas rasgadas, a música distorcida e gritada com poucos acordes, o visual provocativo e a atitude rebelde eram as principais marcas do movimento punk. O protesto tinha uma direção: a sociedade capitalista moralista e religiosa, geradora de desigualdade e de um projeto burguês que visava docilizar as ações do homem comum.

Nessa mesma época, outra banda importante, o Joy Division, de duração efêmera, também possui a sua relevância. O Joy Division, apesar de ser citado em "Somos tão jovens" de forma superficial, imprimiu uma nova linguagem ao rock, que pode ser chamada de pós-punk, posto que trazia influências do punk, mas amalgamada às influências de uma melancolia intensa, que desembocaria na new age.  O genial vocalista do Joy Division, Ian Curtis, que se matou ainda muito jovem, creio, foi uma influência para o líder da Legião Urbana. Músicas como Ainda é cedo mostra a influência do pós-punk e uma textura muito similar à banda de Curtis. Um importante filme sobre a vida do problemático Curtis é Control (aqui também) de 2008, do diretor Anton Corbijn. Mas o Renato era a mistura de muitas coisas.


Após a digressão, vale afirmar que tais características serviram de inspiração para os filhos da burguesia - os rebeldes sem causa. A expectativa de estabilidade gerada pelo mundo burguês e uma sociedade que vivia a realidade da Ditadura, levou essa juventude a protestar, a construir ideais. Curiosa é uma das passagens da música Química escrita pelo Renato Russo: "Ter carro do ano, TV a cores, pagar imposto, ter pistolão/ Ter filho na escola, férias na Europa, conta bancária, comprar feijão /Ser responsável, cristão convicto, cidadão modelo, burguês padrão".

É nesse contexto que aparece a figura de Renato Russo, que ainda no final dos anos 70, forma o Aborto Elétrico e o nome já um escracho ou uma tentativa de cooptar a atenção. A banda do ponto de vista sonoro era péssima, mas havia um sujeito habilidoso com as palavras. As letras eram de alto nível. Era como se colocasse um diamante em um recipiente de palha. A banda consegue, com apresentações tacanhas, se firmar no cenário cultural da Capital.

É dessa época também o surgimento de duas outras bandas - a Plebe Rude e o Capital Inicial (esta última dos escombros do Aborto Elétrico). Outro músico indiretamente surge do cenário musical de Brasília, Herbert Vianna, líder e fundador de Os Paralamas do Sucesso.

Todavia, o que me chamou a atenção no filme foi a tentativa acertada de reproduzir a personalidade complexa de Renato Russo, que acreditava em astrologia e possuía uma sensibilidade poética incomum. E o quanto gostava de literatura. O nome Russo é uma homenagem, como mostra o filme, a Bertrand Russel, filósofo inglês, e o filósofo francês Jean-Jacques Rousseau. Pouca coisa já era suficiente para mover-lhe as emoções. Uma cena em que isso fica patente é quando da morte de John Lennon. O filme mostra o quanto aquilo que mexeu com o Renato Russo. 

Tais complexidades foram responsáveis pelo fim do Aborto Elétrico. Os dois outros músicos Fê Lemos (baterista) e Flávio Lemos (baixista) - ambos fundadores, com Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial - viviam às turras com o futuro líder da Legião. Após essa cisão, Renato muda a postura rebelde e investe num estilo mais folk. Deixa a barba crescer e faz apresentações solitários, auto-proclamando-se 'O trovador solitário'. E aos poucos essa expressividade vai crescendo até a formação da Legião Urbana, com os dois parceiros de toda a carreira - Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos. O filme termina justamente nesse ponto, quando os músicos após terem feito um show em Patos de Minas, são convidados a irem ao Rio de Janeiro. Como afirmei acima, o filme é bom. O ponto mais forte da obra é a atuação de Thiago Mendonça, que travestiu-se de Renato Russo. Thiago conseguiu transmitir o jeito teatralizante e performático do líder da Legião. As músicas cantadas também mostram uma qualidade positiva. 

Um dos principais objetivos que me levou a assistir ao filme foi entender um pouco mais sobre o cenário político e cultural da Brasília da época da Ditadura. E penso que o filme conseguiu me passar uma impressão positivo sobre este fato. Muito bom!

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