terça-feira, junho 18, 2013

Para quem os protestos? O Brasil muda com o voto?

A bíblia, tida por sagrada pelos cristãos, é um livro notável. Gosto de sua profundidade espiritual. De sua profusão de temas literários. De seus conselhos altos. De suas sentenças proverbiais. Como em uma passagem da qual me lembrei hoje à noite. Recordei-me da passagem por está lendo algumas frases, amontadoados de sentenças, textos de opinião, jaculatórias insensatas de leigos, via Facebook, afirmando que o melhor protesto é saber votar em 2014. Rapidamente me veio à mente um texto bíblico. O texto está em um dos evangelhos. Jesus diz que é, simplesmente, impensado colocar vinho novo em odres velhos. Acho essa passagem fantástica. Aqui Jesus diz que o velho não comporta o processo novo. É inapropriado por causa da natureza daquilo que é velho e a natureza daquilo que é novo.

É bom ver a população brasileira saindo às ruas para exigir um país mais justo, menos corrupto, com lideranças comprometidas com justiça social, ética e honestidade. Todavia, penso que falte foco a essas manifestações. É  mais ou menos assim: chegamos até aqui. E agora, José? O que fazer? Seria interessante que se estudasse um texto de Vladimir Lênin - "Que fazer?" - que é bem oportuno ao momento. Fico receoso que após todas essas marchas o otimismo arrefeça e cada um volte para sua casa como naquela parábola de "Os gansos", de Kierkegaard, que outro dia aludi. E essas páginas belas que têm sido escritas não sejam apagadas pelo tempo.

Esses movimentos itinerantes que surgiram pelo Brasil indicam que o povo está cansando dos desmandos de um Estado, que nos últimos quinhentos anos, continua o mesmo. Quando analisamos a história brasileira notamos que não houve mudanças, rupturas significativas. O processo de Independência, de Proclamação da República, de Abolição da Escravatura, que teve uma participação popular bastante tímida, não afugentou o drama do rompimento com um estágio anterior. Ou seja, as mudanças mais importantes da história do nosso país foram realizadas por aqueles que estão no poder. O povo sempre viu tudo de longe. Quem foi "rei" continua como "rei"; e quem foi "vassalo" continua como "vassalo". Apesar de não vivermos na Índia, o nosso país possui um regime de castas. Talvez, seja por causa do povo não está envolvido nos processos, revoluções (se é que houve alguma!), que tenhamos um dos modelos de formação social mais árbitrários do mundo. 

O Estado brasileiro é violento. A chamada "democracia" existe só de fachada, pois as oligarquias dominaram no passado e continuam dominando no presente por meio dos diversos aparelhos do Estado. Essa mesma oligarquia está instalada nos vários escalões de poder e possui a seu favor o conservadorismo e o poder simbólico das mídias. Os grandes monopólios desse país estão construídos no campo das ideias. A televisão, infelizmente, ainda continua sendo a escola de muitos brasileiros. O que o William Bonner, esse grande ventríloquo global diz no "Jornal Nacional"(o jornal da ignorância nacional), ainda é tido como verdade irrefutável. Diante de um poder tão grande, essa entidade chamada Globo, aliançada com a Folha de São Paulo, Veja e todo a imprensa conservadora, constrói um muro de falsidades e reacionarismos, que busca crimizalizar os movimentos sociais e tudo aquilo que sugira a contradição.

É formidável ver o povo nas ruas, mas penso que as metas e objetivos dessas passeatas se tornem mais claros, transparentes e substantivos para que a mobilização não feneça. Está equivocado quem pensa que é votando que se melhora o país. Já tentamos de todas as formas fazer isso. Mas o que falta não é um candidato, mas um projeto que dê uma cara de Brasil ao Brasil. Erra quem acha que é determinado candidato que vai mudar o país. Esse messianismo é uma grande falácia. Esse ainda é o discurso da mídia que quer fazer todos acreditarem que determinada pessoa mudará o país. A história não feita por um homem, mas por homens que, juntos, constroem a história. 

Por isso, penso que a frase bíblica citada acima tenha tudo a ver com essa expectativa. O modelo novo que desejamos para o país não pode ser contido nessa estrutura arruinada que temos no presente. O cerne da alma brasileira está contaminado pela corrupção, pelo jeitinho, pelos desmandos e megalomanias vindos da casa-grande. Essas passeatas para terem um resultado profícuo precisam continuar pelos próximos anos, décadas. A monta de problemas é gigante. É preciso estabelecer uma agenda de atuação e lutar por isso - educação, saúde, transporte, transparência, salários de parlamentares pagos, fugindo da realidade do trabalhador assalariado, gastos com mancebias estranhas entre o público e o privado, etc. Ou seja, fazendo isso e realizando marchas reivindicatórias constantes, talvez mudemos esse país.

Euclides da Cunha diz algo fabuloso em "Os Sertões": "O que separa o litoral do interior não são quilômetros, são séculos". E essa frase é evocativa para que profiramos neste instante: "O que falta para transformar o Brasil em país decente não é uma marcha, duas marchas; são séculos de marchas. Pois não estamos atrasados cinquenta anos, mas talvez  trezentos". Continuemos a marchar com consciência.

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