quinta-feira, dezembro 26, 2013

Algumas considerações sobre o "Punk Rock" e o documentário "Botinada - a origem do 'punk' no Brasil"


Assisti ao excelente documentário Botinada - a origem do punk no Brasil, 2006, dirigido pelo polivalente Gastão Moreira. O documentário busca retratar a história do movimento punk dos anos de 1976 a 1984 aqui no Brasil. Foram reunidas mais de 200 horas de vídeo; 77 pessoas foram entrevistadas ao longo de quatro anos de um trabalho árduo a fim de reunir documentos - fotografias, reportagens, imagens raras, depoimentos das personagens que fizeram a história do punk no Brasil.

É importante dizer que o punk apesar de ter surgido como movimento em meados dos anos 70, teve a sua gestação com bandas como MC5, com suas letras repletas de veneno político. É só ouvir a maravilhosa Kick out of the jams. Está tudo lá! Outra importante banda são os The Stooges, a banda do imortal Iggy Pop, que se consagrou pelo som ruidoso, de letras fáceis, melodia pegajosa e irreverência louca no palco. É só ouvir Down on the street, 1969, I wanna be your dog. Ou ainda o The Kinks e a maravilhosa All Day and All of the Night. Ou seja, podemos afirmar que essas e outras bandas são responsáveis por um proto-movimento que criava uma estética de irreverência, agressividade, tonalidades pegajosas, letras provocantes que "agrediam" o mainstream.

Mais para frente, por volta de 1971 ou 1972, o New York Dolls, que possuía uma estética bastante provocante foi formado. Algumas de suas músicas atestam isso como, por exemplo, Personality Crisis ou Jet Boy. O New York Dolls influenciaria uma série de bandas, entre elas o The Ramones. Devem ser citados ainda Blondie, Johnny Thunders and the Heartbreakers, The Cramps, Talking Heads.

Todavia, o que fermentou a explosão do Punk na Inglaterra? Pode se afirmar entre outras causas: a década de 70 enfrentava uma séria crise econômica. O Estado keynesiano havia entrado em agonia. Não havia possibilidade de continuá-lo. Era preciso "enxugar" o social do Estado. Foi a época de fundação do neoliberalismo por Margaret Tchatcher, que tornaria primeira ministra da Inglaterra em 1979. Entre as medidas adotadas por ela estavam a desregulamentação do setor financeiro, privatização das empresas estatais, flexibilização das leis e do mercado de trabalho. Ou seja, as consequências das medidas tomadas mais tarde por Tchatcher já vinham sendo experimentadas pelos jovens em anos anteriores. Deriva daí a premissa social do punk. Ou seja, os jovens queriam por meio da rebeldia e de uma estética plástica "apavorante" protestar contra o sistema capitalista. O desemprego, o empobrecimento, as políticas sociais sendo desmanteladas pelos tentáculos do noliberalismo jogou milhões na miséria. Era necessário "chocar" e subverter a ordem. 

É nesse contexto que vão surgir duas bandas que revolucionariam os destinos do punk: o The Sex Pistols e o The Clash. Outras bandas surgidas nesse mesmo contexto inglês foram importantes. Entre elas ressaltam-se o The Damned e Buzzcocks. Estas bandas, rapidamente, exportaram uma atitude provocativa para o mundo. As roupas eram rasgadas; broches pela roupa; em alguns, era possível maquiagens anômalas; cortes de cabelos aberrantes; um palavreado eivado por palavrões; e muita, mas muita atitude. O The Sex Pistols, por exemplo, representa o que foi a atitude punk. Vale falar ainda do The Clash, que tinha uma vertente mais política e que se enveredou por outras sonoridades. O álbum London Calling, de 1979, é considerado um dos maiores discos da história.

O punk era uma estação necessária contra o rock alternativo. Pode se afirmar que a opção pela música barulhenta, rápida, de acordes fáceis e letras simples e provocativas estão firmadas em um voluntarismo estético. Um exemplo disso é o primeiro disco do The Ramones, de 1976, que possuía quatorze músicas em vinte nove minutos. Fazer uma música com essa tessitura era uma forma de insultar o quadro comercial oficial.

O punk se desintegra rapidamente. Das suas entranhas brotou a New Age, ou nova onda, que trazia uma estética mais comportada. Mas é possível observar que outras bandas deram seguimento àquilo que era necessário ao movimento punk: ou seja, a sonoridade e a contestação. Um exemplo disso são bandas como Dead Kennedys, Bad Brains, The Germs, Black Flag, entre outras. A New Wave é aquilo que pode se chamar de versão comercial do punk. Uma enxurrada de bandas surgiram nessa época: Elvis Costello, The B-52's, The Jam, Tears for Fears, Duran Duran, Devo; e bandas que inaugurariam um movimento mesclado por um visual gótico-surrealista: Echo and the Bunnymen, Joy Division, The Cure, New Order, The Smiths, U2, The Sonic Youth. O punk continuaria a destilar o seu poder e influenciaria o Grunge da década de 90. O que são bandas como Alice in Chains, The Melvins, Mudhoney ou Nirvana e suas respectivas estéticas, senão uma continuidade desse movimento?

Este cenário serve de pano de fundo para mostrar como se deu o nascimento do movimento punk aqui no Brasil. As primeiras bandas surgiram em 1977, influenciadas por aquilo que estava acontecendo na Europa e nos Estados Unidos. No documentário fica claro que o nascimento do punk se deu em São Paulo, embora outras cidades como Brasília e Salvador reivindiquem essa origem. Entre as bandas que são responsáveis por isso podem ser apontadas a Banda do Lixo e o Joelho de Porco

Mais tarde, surgiriam as bandas que sedimentariam o punk como um movimento com identidade aqui no Brasil. Inocentes, AI-5, Ratos de Porão, Olho Seco, Condutores de Cadáver, Lixomania, Cólera, Garotos Podres, Os Replicantes, Aborto Elétrico etc.

O documentário é relevante por levantar informações sobre esse movimento que avocar atitude, pois o punk é movimento, conforme a sua gênese, sócio-cultural. Existe uma inflexão política. Um elemento contestatório. A vertente mais famosa do punk a promover justamente essa atitude é anarcopunk, que promove anarquismo como filosofia operante.

Dois fatos me chamaram a atenção:

(1)  A mobilização da mídia com a finalidade de enfraquecer e deturpar o movimento. A responsabilização por acontecimentos variados. A confusão com nomes. Os primeiros grupos eram confundidos com nazistas. Ou seja, uma profunda ignorância, já que uma das lutas do movimento é justamente contra os totalitarismos, entre eles o nazismo.

(2) O que me chamou a atenção no documentário, também, é como se encontram aqueles que fizeram o movimento aqui no Brasil. Estão subempregados. Lutando pelo pão de cada dia. Longe do mainstream. Isso serve para mostrar o quanto o movimento é marginal. Botinada é um importante documento a favor dessas personagens.

Pode ser visto no Youtube.


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