segunda-feira, abril 21, 2014

Quando se é estreito...

Não tinha a intenção de escrever esta reflexão, mas após ler dois textos vindos de fontes bem distintas, abordando o mesmo assunto, percebi como idiossincrasias religiosas podem levar a uma miopia; ou a uma sensibilidade além do comum.  O segundo caso é mais raro, todavia pode ser encontrado. O primeiro está vestido pela arrogância e por uma "teimosa" perspectiva de medir todas as coisas pelos valores que se cristalizaram no tempo e não acompanharam evolução da história.

Refiro-me à reflexão feita por Ricardo Gondim sobre Gabriel García Márquez, que faz aumentar o respeito que tenho por ele, um dos religiosos mais veneráveis deste país. Lúcido. Simpático. De bem com a vida. Cheio de poesia. E o outro texto pode ser lido aqui, escrito por Solano Portela, pretenso arauto da doutrina, defensor ardoroso da causa reformada. Solano também pretende falar sobre García Márquez. Mas decide estender sua análise para dois outros nomes importantes da literatura latino-americano - Mario Vargas-Llosa e Jorge Amado. Faz a pergunta: "O que Gabriel Garcia Marquez, Mario Vargas Llosa e Jorge Amado têm em comum?" Critica García Márquez e Jorge por serem de esquerda. Defenestra o primeiro por que era amigo de Fidel e aguilhoa o outro por ter sido militante comunista. Os intelectuais têm direito a ser aquilo que bem entendem. Afinal, impossível falar em intelectual, ainda mais no século XX, sem que este estivesse comprometido com uma causa política. Elogia Llosa por ser de direita, mas decide em seguida apupá-lo, também, por este ter enaltecido o presidente do Uruguai pelas medidas progressistas que não temos condições de debater dada a nossa menoridade intelectual. 

A exiguidade do pensamento de Solano fica claro quando comparamos com o texto de Gondim - mais largo, arejado, sem espinhos inquisidores. Sem sentenças judiciosas a favor de um dogma. Como se pode ver no texto de Gondim o seu dogma é a vida. A busca por compreender a sua própria condição de sujeito humano. 

Condenar a literatura de três nomes extremamente relevantes para a história do continente latino-americano pelo simples fato de a literatura fazer menção a temas repudiados pelo mundinho religioso de A ou B é um ato de ignorância. O dia em que esses indivíduos de mentes estreitas, fechadas, conseguirem escrever um romance como Jubiabá, Pastores da Noite, Tenda dos Milagres (Jorge Amado); Conversa na Catedral, A festa do bode, A guerra do fim do mundo, que é a retratação da Guerra de Canudos, sendo que para escrever o livro Vargas-Llosa morou por cinco anos no interior da Bahia; ou Cem anos de solidão, O amor nos tempos do cólera, Ninguém escreve ao coronel (Gabriel García Márquez), eu farei um silêncio e admitirei seus ideais congelados.

A literatura não está preocupada com os moralismos. E podemos contar o número de escritores com inclinações religiosas que produziram literatura de alto nível. São exceções Chesterton, C.S. Lewis ou Tolkien. A literatura é, simplesmente, a transfiguração do mundo. O que os homens não conseguem expressar por meio de teorias, criam por meio da ficção. A literatura melhora o mundo. Desconstrói para poder construí-lo. Não podemos falar em moralidade ou amoralidade nesse sentido.


3 comentários:

charlles campos disse...

Parece que há anos procuro esta frase:

"O que os homens não conseguem expressar por meio de teorias, cria por meio da ficção".

Muito bom seu texto.

Carlinus disse...

Obrigado, Charlles!

Agora que você digitou, percebi um problema de concordância.

Abraços!

charlles campos disse...

Blog não tem revisor de texto, meu caro. Nem tinha percebido o erro.