domingo, julho 27, 2014

"Esquerda e Direita" por Ariano Suassuna

O texto abaixo me deu uma grande alegria quando eu o li. Acredito que Ariano Suassuna, que era um grande socialista, tenha conseguido colocar de forma poética, filosófica e teológica o porquê da existência das concepções de "esquerda" e das concepções de "direita". Penso que as pessoas que alegam a não existência dessa dicotomia, queiram justamente camuflar essa distinção para que a miséria e a injustiça continuem a grassar na sociedade. A desigualdade ou a construção do campo esquerda-direita se deu no dia em que alguém disse "isso aqui é meu". A partir desse momento, o mundo passou a ser habitado por aqueles que detêm certa propriedade e aqueles que não possuem a propriedade. 

O mundo está crivado por essa diferença. E enquanto ela existir, faz-se necessário lutar pela justiça, pela equidade. É isso que justifica a defesa pelo social. As regras da sociedade de classe dizem: "Todos devem correr mil metros". E todos querem correr os mil metros para sobreviver. O problema é que algumas pessoas vão de cavalo e, outras, vão andando. Ou seja, não preciso dizer quem vai se dar melhor nessa competição. A própria bíblia está repleta de personagens que estiveram do "lado esquerdo do fronte", a defender a justiça e dignidade dos mais fracos. É só abrir em qualquer um dos livros proféticos. 

Abaixo, o texto. Excelente!

Esquerda e Direita

Não concordo com a afirmação, hoje muito comum, de que não mais existem esquerda e direita. Acho até que quem diz isso normalmente é de direita.

Talvez eu pense assim porque mantenho, ainda hoje, uma visão religiosa do mundo e do homem, visão que, muito moço, alguns mestres me ajudaram a encontrar. Entre eles, talvez os mais importantes tenham sido Dostoiévski e aquela grande mulher que foi santa Teresa de Ávila.

Como consequência, também minha visão política tem substrato religioso. Olhando para o futuro, acredito que enquanto houver um desvalido, enquanto perdurar a injustiça com os infortunados de qualquer natureza, teremos que pensar e repensar a história em termos de esquerda e direita.

Temos também que olhar para trás e constatar que Herodes e Pilatos eram de direita, enquanto o Cristo e são João Batista eram de esquerda. Judas inicialmente era da esquerda. Traiu e passou para o outro lado: o de Barrabás, aquele criminoso que, com apoio da direita e do povo por ela enganado, na primeira grande “assembléia geral” da história moderna, ganhou contra o Cristo uma eleição decisiva.

De esquerda eram também os apóstolos que estabeleceram a primeira comunidade cristã, em bases muito parecidas com as do pré-socialismo organizado em Canudos por Antônio Conselheiro. Para demonstrar isso, basta comparar o texto de são Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, com o de Euclydes da Cunha em “Os Sertões”. Escreve o primeiro: “Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Não havia entre eles necessitado algum. Os que possuíam terras e casas, vendiam-nas, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se, então, a cada um, segundo a sua necessidade”. Afirma o segundo, sobre o pré-socialismo dos seguidores de Antônio Conselheiro: “A propriedade tornou-se-lhes uma forma exagerada do coletivismo tribal dos beduínos: apropriação pessoal apenas de objetos móveis e das casas, comunidade absoluta da terra, das pastagens, dos rebanhos e dos escassos produtos das culturas, cujos donos recebiam exígua quota parte, revertendo o resto para a companhia” (isto é, para a comunidade).

Concluo recordando que, no Brasil atual, outra maneira fácil de manter clara a distinção é a seguinte: quem é de esquerda, luta para manter a soberania nacional e é socialista; quem é de direita, é entreguista e capitalista. Quem, na sua visão do social, coloca a ênfase na justiça, é de esquerda. Quem a coloca na eficácia e no lucro, é de direita.

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