sexta-feira, setembro 05, 2014

Marina é uma voz contraditória soprando no deserto do niilismo político

Gosto de ler os comentários dos fóruns em vários sites. E fico impressionado com o niilismo político que tomou conta do Brasil. As opiniões geralmente tendem para o obscurantismo fascista. Após entrar em contato com as opiniões de jovens atomizados, escondidos na fria indiferença da rede, tento associar esse fato ao prezado momento eleitoral; e não deixo de pensar na candidata do PSB, Marina Silva. Tentar entender o fenômeno Marina Silva é um exercício complexo. Até o início do mês passado, ela era uma coadjuvante no processo eleitoral. Estava à sombra de Eduardo Campos, ex-governador do estado de Pernambuco, e que estava estacionado em crônicos 8% nas intenções de votos. A sua morte prematura e trágica permitiu a configuração de um cenário curioso. Aquela que era apenas um nome periférico, uma sombra inexpressiva, ganhou vulto e subiu de forma inexplicável nas intenções de voto. Parece tirar o tucano Aécio Neves do segundo turno e ameaça Dilma Rousseff, candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), que busca a reeleição. Mas surgem algumas perguntas: como explicar o fenômeno Marina? Quem é ela e o que representa? Quem são os seus eleitores?

Não é fácil achar uma resposta para essas perguntas. É possível indicar algumas pistas, que estão relacionadas a fatos políticos bem recentes da história social do nosso país e do mundo: 

(1) Segundo os institutos de pesquisa, a maior parte dos eleitores de Marina Silva são jovens desiludidos com a política. É gente que tem entre vinte e menos de quarenta anos. Que foi adolescente nos anos noventa e possui uma memória seletiva para os fatos; que não viveu e não percebeu posteriormente os dramas do neoliberalismo, introduzidos pelo Governo Collor e, mais tarde, levado a paroxismos com FHC e o desmonte do estado; que desconhecem completamente o drama histórico vivenciado pela estagnação econômica, vivida nos anos 80 e início dos anos 90. 

(2) É uma gente que possui um processo mental altamente pragmático e utilitarista. É o pensamento que entende que se algo não funciona, deve ser trocado, mesmo que as consequências sejam danosas para o processo. Não se questiona as implicações da troca. Não se entende a conjuntura. Não se quer saber a qualidade e a essência dos elementos trocados. Apenas se troca. Assim, como se dar com uma roupa com problema que se compra numa loja de departamento; ou ainda um celular que não funciona muito bem. 

(3) Um público que passa a maior parte do tempo experimentando os efeitos da virtualidade; que se especializou em colóquios monossilábicos nas redes sociais; que não consegue se desconectar do mundo dos simulacros e prestar atenção na realidade com suas implicações. E que confunde os efeitos das imagens virtuais com aquilo que acontece no mundo material. Entre o virtual com sua capacidade enfeitiçante e o mundo material com sua "feiura", prefere-se o primeiro ao segundo.

(4) Trata-se de um contingente que se diz cansado com a política. É como se a política não tivesse nada de bom; como se a vida política e os políticos encerrassem em si aspectos de uma densidade negativa de profunda contundência. Para quê se envolver com aquilo que não presta? Some-se a isso, o fato de que a vida social está assentada no individualismo. O homem do nosso tempo é treinado para viver preocupado apenas consigo mesmo. A única instituição capaz de frear esse instinto individualista e gerar coesão é a família. Fora do eixo familiar e jogado no seio das grandes cidades, o homem burguês do nosso tempo, entende que ele é único e deve sobreviver em meio a essa selva. Agora, potencialize esse pensamento em todos os seres das cidades e teremos uma rede de caos. O sentido de coletividade é completamente perdido. 

(5) O homem burguês é um consumidor voraz de imagens e informações. Ele é bombardeado pelo rádio, pelos jornais e revistas, pelo cinema, pela televisão, pelos livros, pelos outdoors, que vendem de macarrão a corpos de mulheres; pela rede mundial de computadores, pelos celulares. A babel de informações que se mostra pelos mais variados canais não chega sistematizada, organizada. Ela chega de forma caótica, revoluteante; de forma confusa e vertiginosa. Os sujeitos não conseguem distinguir as informações de maior credibilidade, daquelas que possuem intenções subjacentes atreladas à propaganda mercenária. E aí surge um problema de intenção de discurso: quem exerce o poder de fazer a inevitável seleção das informações que serão direcionadas ao homem comum? Como construir uma compatibilidade com um programa democrático de sociedade e o exercício desse poder de escolha, quando poucas empresas possuem o poder de influenciar a opinião pública? Inevitalmente, esse sujeito acaba se acostumando com "o dito". As imagens trabalhadas acabam legitimando um determinado enquadramento da realidade. Já não há o que se questionar, pois as notícias descrevem aquilo que acontece com o mundo real. Não há tempo para perscrutar as intenções secundárias. A imagem diz tudo em sua força propositiva.

(6) O sujeito do nosso tempo possui uma completa desconexão com o conceito de história. O capitalismo no século XX, deu à luz a um tentáculo - o neoliberalismo. E o neoliberalismo potencializa o privado em detrimento do público, do coletivo. Ora, segundo Leandro Konder: "A história é a ação do homem no tempo, é o que eles fazem, é o desdobramento da práxis, isto é, da aitvidade pela qual os seres humanos se realizam". É mais ou menos a seguinte relação: o Planeta Terra viaja pelo universo a mil e seiscentos quilômetros por segundo e, ao mesmo tempo, gira em torno do sol. Isso acontece a bilhões de anos. Todavia, nós que estamos na Terra não sentimos esse movimento. Percebemos os efeitos dele pela sucessão dia-noite, noite-dia. Da mesma forma, o homem burguês perdeu completamente a noção de história. Ele percebe que os anos passam, apenas isso; assim como percebe o dia e a noite. Essa distorção do conceito de história impede que os homens olhem para trás para entender o que já fizeram e de onde vieram; o presente como sucessão dialética do passado; e o futuro como possibilidade do trabalho e da práxis transformadora. O capitalismo "desumanizou" a história, pois extraiu a noção de relação coletiva. Ele consagra apenas a privatização dessa relação. Não me vejo como parte de uma comunidade que luta por melhorias; que possui ideais; que luta por transformação e que se alinha em torno de causas comuns. Assim, a história passa a ser vista como ilusão, como algo pela qual não se deve lutar, pois trata-se de batalha inexoravelmente sem sentido; ou se cria a noção de que tudo caminha para um destino em que a realidade pode se autorregular a um estágio de progresso consequente.

Acredito que esse conjunto de cinco elementos se unam para formar aquilo que vimos o ano passado nas manifestações de junho. Naquela ocasião, jovens das mais variadas origens saíram às ruas para protestar. Organizaram-se pelas redes sociais. As armas não eram ideias, uma pauta clara com reivindicações precisas, mas celulares. O barulho aconteceu, mas logo arrefeceu, pois as marchas não devem parar de "caminhar". O movimento se dizia contrário à política, sem perceber que estava fazendo um tipo de política niilista, sem substrato, um caudal de orientações desencontradas que não levariam a resultados precisos. Outro fato que fortaleceu a possibilidade das manifestações foi a incapacidade do Partido dos Trabalhadores (PT) de dialogar com a sociedade de forma clara. As alianças do PT acabaram por acorrentá-lo no campo da indiferença. Não houve um debate político preciso. Os erros do governo, somado à forma como a mídia deu visibilidade a isso, fez aumentar a "a patologia da representação". Quando penso nas manifestações de junho, surge uma surpresa inevitável, mas que se pode visualizar ali a explosão ou o sintoma de um modelo de civilização que chegou ao seu colapso. Ou seja, o capital não gera a humanização da história; não promove um espírito altruísta em favor do próprio homem. Entrementes, mata por asfixia aquilo que de mais necessário o homem criou. Assim, entendo que aquelas jornadas de junho, representam "o suspirar", o reclamo contra algo. Mas o que seria esse algo? O resultado de um estilo de vida fincado numa melancolização do conceito de história e um enfeiamento das estruturas políticas por parte da mídia que desenha, por meio de seu monopólio, a desnecessidade dos movimentos sociais - sindicatos, agremiações dos trabalhadores e os movimentos mais variados da sociedade; e a inabilidade do governo petista de dialogar com os jovens e os mais variados setores da sociedade. O governo abriu as portas para que se comprasse celulares e badulaques variados, mas não se preocupou politizar e construir cidadania. O governo gerou consumidores e não sujeitos políticos.

Ora, some todos esse fatores e você terá um eleitor da Marina. O que mais atrai os eleitores da Marina é o discurso da candidata. Poucos têm consciência ou conhecimento de sua política econômica. Quais são os pactos que ela está estabelecendo para governar. A agenda neoliberal com a qual ela se municiou. A conveniência dos abraços. A casca das convenções. As alianças com os dragões do capitalismos. A negação de um projeto para o povo, pois a única coisa que ela quer é governar para os banqueiros, o deus mercado e o capital especulativo. O que a torna um fenômeno é justamente o fato de que ela fala que representa "um novo modo de fazer política". Se os seus supostos eleitores descobrissem como ela faz política, com certeza se desiludiriam. Marina é uma voz contraditória soprando no deserto do niilismo político. Sua oratória "da boa vontade" é insuficiente para trazer as modificações que o país precisa. Política não se faz apenas com retórica. Em um país complexo e que sempre esteve nas mãos das elites, Marina desconsiderou a sua história (porque talvez a veja como algo superado, de um tempo distante e que não diz mais respeito a ela), para se estabelecer vínculos com as elites desse país, que negam justamente o povo e suas necessidades.


2 comentários:

Ramiro Conceição disse...

SOBRE O RABICÓ LAGARTÍXICO
by ramiro conceição
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Ultimamente, descobri que sou adepto da dilmafilia: aquele estranho prazer que, em essência, consiste em cortar a cauda de lagartixas amazônicas para contar, cientificamente, quantas vezes o pedacinho do ex-rabinho pula a esmo. Devo confessar que já alcancei orgasmos indescritíveis…
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Como toda gente sabe: cortar o rabo de uma lagartixa pode causar sérios danos ao bichinho, por exemplo, a paralisia no aparelho eleitoral de locomoção. A prática da caudectomia já foi proibida pelo Conselho Eleitoral de Medicina Veterinária (CEMV) e deve ser evitada. Todavia, há sérias restrições científicas sobre tal proibição.
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O cerne da científica discussão política é o seguinte: a lagartixa é um bichinho especial, pois a danada domina o complexo processo de autotomia, ou seja, ela sabe que pode perder parte do rabo, principalmente em situações de perigo eleitoral, ops!, digo existencial. Ah, nessas situações terríveis, qualquer lagartixa esperta se faz de vítima – e quebra o próprio rabo!!… Assim, o pedaço traído, abandonado, fica a pular freneticamente para ludibriar o predador…
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Qualquer lagartixa sabe, por sua natureza, que a sua cauda é apta a crescer de novo, se regenerando. Porém, Deus e a Natureza de Spinoza são sábios: até o rabo de uma lagartixa tem limite; quer dizer, durante a regeneração o novo rabo cresce, mas fica menor!!!…
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Portanto, para cortar definitivamente o rabo de uma lagartixa amazônica, só há uma opção: cortá-lo o mais próximo possível do Itaúúúú… Sim, aquele da vaia…: o dito-sujo!

Carlinus disse...

Genial, Ramiro... genial!!!