quarta-feira, dezembro 10, 2014

O cinema em novembro

O mês de novembro acabou. Sei. É uma obviedade desnecessária. O fato é que não cheguei fazer alguns daqueles comentários magros que me dispus a realizar. É que passei a levar o cinema muito a sério. Acabei fazendo uma daquelas promessas bobas, que geram obrigações pequenas, mas necessárias. Desde o mês de agosto, tenho visto, em média, dez filmes por mês. Mês passado eu assisti a treze no total. E o destaque fica por conta das produções argentinas. Foram cinco no total. Comentarei três desses filmes mais à frente - Relatos Selvagens, Um conto chinês e Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual

O primeiro filme que vi no mês de novembro foi Poesia (2010), de produção sul-coreana. Poesia é um filme delicado. É a história de uma senhora de 67 anos que resolve aprender poesia, ingressa em um curso e passa olhar o seu dia a dia com outra perspectiva. É um bonito filme! 

Dois filmes brasileiros apareceram no menu - Menino de Engenho (1965), que busca retratar um dos principais romances de José Lins do Rego. Quem já leu a obra vai perceber que essa produção do Cinema Novo, realizada por Walter Lima Jr. - e com participação na produção de Glauber Rocha - leva em conta os aspectos mais relevantes da obra do escritor paraibano. Trata-se de uma interpretação lírica da vida de Carlos Eduardo, o menino que vivia em meio aos canaviais do Engenho Santa Rosa e descobria os encantos da infância. A outra obra é Pra frente, Brasil (1982), que revela as arbitrariedades da Ditadura Militar no Brasil. O filme mostra como os cidadãos eram vulneráveis à selvageria e a brutalização patológica dos agentes do estado. Excelente filme - apesar de alguns problemas técnicos. 

Os outros filmes foram: O assassinato de Trotsky (1972), que mostra como o assassino covarde e de personalidade fraca e niilista matou, a mando das autoridades soviéticas, uma das mentes mais pujantes e brilhantes da primeira metade do século XX. Vi ainda o eletrizante Cidadão Kane (1941), de Orson Welles; Mel de Laranjas (2012), que aborda a vida de um soldado que tergiversa entre a vida como militar e como militante de um grupo esquerdista durante a Guerra Civil Espanhola. O bonito e delicado Pequena Jerusalém (2005), que mostra a vida de uma estudante de filosofia, amante de Kant, que tem que conviver, na periferia de Paris, com as tradições do seu povo e a austeridade da razão. Surge daí um conflito existencial. A obra mostra como a religião acaba delimitando o mundo das pessoas. 

Mas, o mês de novembro foi rico em produções argentinas, como enunciei no início. Disse há alguns dias que o cinema argentino está bem à frente do cinema nacional. Entre boas e excelentes atuações de Ricardo Darín, o cinema argentino "vai revelando" para o mundo boas histórias; enredos fortes e resultados de excelência. Vi, assim, Elefante Blanco (2012), que conta a história de um padre que trabalha em uma favela em Buenos Aires. Kamchatka (2002), talvez tenha sido, das produções que vi, aquela que se mostrou mais modesta. O filme narra a história de uma família que se ver perseguida e busca arrumar alguns esconderijos para que os filhos não percebam o que acontece durante o período da Ditadura Militar na Argentina. Nesse sentido, gostaria de fazer alguns comentários (não extensos) sobre três dessas produções: 

(1) Relatos Selvagens (2014) - já comentei sobre o filme em outro post, mas a obra se revela como um melhores filmes que vi nos últimos anos. O filme possui a cronicidade de um conto de Júlio Cortazar ou o poder labiríntico, enfeitiçante, de uma história de Borges. E penso que talvez resida aí a superioridade do cinema argentino. Se pesarmos a quantidade de escritores bons que saíram - e ainda escrevem - daquela terra, chegamos a uma conclusão: os argentinos sabem o que fazem em matéria de cinema e literatura. Um país que produziu um Borges, um Cortazar, um Sábato, um Adolfo Bioy Casares, um Alan Pauls, um Ricardo Piglia etc, com certeza, possui instrumentos inauditos para criar obras refinadas. Penso que essa querela criada pela imprensa brasileira em torno de uma suposta rivalidade, na verdade, seja um recalque - ou, ainda, uma isca futebolística com finalidades comerciais. Admitamos: os argentinos, do ponto de vista cultural, estão à nossa frente. Por exemplo, enquanto lemos, em média, 1,9 livros por ano, eles leem 7. 

(2) Um conto chinês (2011) - este filme é uma delícia. Mostra como a rotina draconiana do personagem encenado pro Ricardo Darín, acaba sendo balançada pelo inusitado. E, acima de tudo, revela como o inusitado (lei de Murphy?) pode juntar aquilo que está separado. Ou ainda: como o objeto que transforma a vida de alguém em tristeza, pode se transformar em ponto de encontro ou marco que dar início a uma nova jornada. Atuação genial de Darín. Excelente filme!

(3) Medianeras - Buenos Aires na era do amor virtual (2011) - Medianeras não é um filme feito apenas para a gente pensar. Há graça nele! Mas, o centro da obra é a vida citadina e seu niilismo que afasta as pessoas. A cidade é uma redoma de tensões, de separações, de encontros epidérmicos, casuais e aparências que ocultam aquilo que é mostrado na superfície. A vida na cidade é cercada pela deletério. Pelo medo. Pela enfermidade. O homem da cidade, conforme diz uma das personagens, é aquele que não consegue se afastar do vício virtual. "A internet me aproximou do mundo mas me afastou da vida". Cena curiosa é aquela em que uma das personagens vai lançar fora as fotos que estavam no celular e observa em palavras carregadas de efeitos reflexivos: "380 fotos; 38,9 megas de história são apagados num ato simples e irreversível", fazendo-nos pensar sobre como nossas existências estão presas a censores ou a transistores. Como a tecnologia se incorporou ao nosso próprio respirar. Medianeras são aqueles lados feios, caricatos, onde não se pode achar graça. Os lados esquecidos dos prédios que são aproveitados para afixar publicidades. O lugar onde não se pode colocar uma janela ou permitir que o ar entre. Pois, quem vive em uma cidade parece lidar constantemente com o fato de que as medianeras asfixiam a nossa vida.  Ou a própria medianera é uma metáfora da vida colapsada pela morbidez do niilismo. Não quero deixar aqui nenhum spoiler. Veja o filme, se há interesse em minha recomendação! Está no Youtube

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