domingo, março 13, 2016

As elites, a classe média e o nosso nanismo intelectual

Sou um sujeito de parcos meios. Não tenho dinheiro. Sempre morei em subúrbio. Não ostento marcas. Se viajo no final do ano é por conseguir fazer um malabarismo financeiro: ajustar, apertar, poupar. Hoje cedo, enquanto corria pelas míticas ruas de Ceilândia, lembrava aquilo que sempre afirmo para a minha esposa: "Seria interessante morar fora do Brasil". Vez ou outra conversamos sobre essa possibilidade. A pergunta sempre surge em momentos de desapontamentos com a situação política do país. Mas, as minhas condições talvez não favoreçam. Olho para dentro do país e me bate um desalento. Somos um país com uma classe média nanica e facilmente cooptável. Pensava sobre esse fato e uma indignação sorna foi surgindo silenciosamente. Ao voltar para casa, pude ver alguns "idiotas úteis" com camisas amarelas da seleção brasileira, uma organização cujo caráter dos seus dirigentes e de suas ações são, no mínimo, questionáveis. A imagem apenas realça os paradoxos desse país de raquitismo intelectual. Outro terrível paradoxo é ver o PSDB (na pessoa de Aécio Neves) convocando as manifestações contra o Governo.

Somos um dos países mais ignorantes do mundo. Procurando informações sobre a quantidade de livros que os brasileiros leem por ano, cheguei a um número absurdo para as nossas pretensões: em média 1,8 livros por ano por habitante. Mas, se medirmos o tamanho de nossa ignorância sobre amplos setores da cultura humana, encontraremos níveis estratosféricos. Não lemos como deveríamos. Não temos curiosidade intelectual. Todavia, em contrapartida, emitimos opiniões peremptórias sobre quase tudo - principalmente, sobre o campo político. E se formos conversar sobre a situação do Brasil com qualquer sujeito, encontraremos aquele chavão mais velho que as estradas do mundo: "político é tudo corrupto; é preciso investir em educação". Aonde o sujeito achou essa tese? Ora, naquilo que ele escuta e ver todos os dias na televisão. O lugar comum. O senso rasteiro. A facebookização do nosso país, permitiu que aqueles viviam com sua fascistas e farsescas teses íntimas, tornassem isso em ejaculação plena.

O Brasil é um país ainda colonizado sobre vários aspectos. O ethos da colonização ainda está preso dentro de nossa sociedade assentada na desigualdade. Temos uma das elites mais atrasadas do mundo e uma classe média que se acha elite. No filme Mauá - o imperador e o rei, filme cuja importância histórica é indescritível, pude presenciar como as nossas elites se acumpliciam contra o país. No século XIX, o barão de Mauá, inspirado pelos ideais do liberalismo inglês, queria desenvolver o Brasil, torná-lo em uma potência; industrializá-lo. Tirá-lo da condição subalterna. Elevá-lo aos olhos do mundo. "Descolonizar" a nossa condição. Exorcizar nosso servilismo à frente do países europeus. Ele chegou a ser mais rico do que Dom Pedro II. Era um sujeito altamente influente. Foi responsável pela construção da primeira estrada de ferro do Brasil. Mas havia um problema, os barões do café, as oligarquias subservientes urdiram arapucas contra o barão empreendedor. Até mesmo Pedro II ficou contra o barão. Mauá acabou indo a pior. Faliu. Recuperou-se. Todavia, nunca voltou a ser o que foi. Mas, as elites continuaram seus voos de cabra-cega. Manoel Bandeira satiriza isso no poema Os sapos.

Em 1889, quando o imperador já não servia para os interesses das oligarquias, aplicou-se um golpe sem que o povo desse pela passagem do Império para a República. Os golpes sempre foram a arma mais sobeja utilizada pelas elites. 

Existe uma característica fundamental em nossas elites: ela não mede esforços para se perpetuar no poder. A ausência do poder, do controle, é uma ameaça terrível à sua hegemonia. É estando no poder que essa mesma elite promove a moral manca da ordem; da eugenia; do imobilismo social. Ela não quer ter os seus privilégios ameaçados. E aí entra a classe média, que acha que é elite - sem sê-lo. A classe média é burra, pois entende que, por ter um cartão de crédito e poder viajar, pensa já ter alcançado um status que a coloca na posição de mandatária do país. É preciso dar uma boa risada nesse sentido. Ela é conservadora, pois busca "conservar" a ordem (desculpem o trocadilho) para que não desça do degrau do consumo. Para ela, quanto mais se consome, mais cidadão se é, mais se vive numa sociedade plenamente democrática. Não. Não é o cartão de crédito que torna um sujeito cidadão. As elites já entenderam isso. Todas as vezes que essas mesmas elites buscam perpetrar seus intentos, elas açulam a ignorância e cegueira da classe média.

Nossa democracia é estreita. E como disse José Saramago: "uma espécie de democracia amputada". Ou seja, democracia deficiente, involuída, sem a robustez necessária para que o nosso país avance no que tange aos direitos; para que as liberdades necessárias sejam respeitadas; para que os poderes funcionem com autonomia e isenção. O que vemos no Brasil é um vício institucional em todos os sentidos. 

Já faz treze anos que um governo de origem popular está no poder. Treze anos sem que as oligarquias façam aquilo que sempre fizeram: estripar o país para manter os seus privilégios. Nada de inserção das camadas populares no ensino superior; nada de aumento da renda; nada de programas habitacionais; nada que favoreça a agenda dos bancos públicos como envidadores econômicos. As elites desejam os seus privilégios. Elas não se importam com a classe média nem com as camadas mais populares da sociedade. Essas elites defendem o Estado mínimo, sim, mas para o povo; e máximo para ela.

A vitória de Lula em 2002 era inexorável. Não havia como detê-lo. Todavia, para que ele governasse com "tranquilidade", foi necessário que fizesse um pacto com essas elites que existem como espectros para punir o país. O governo era do PT, mas, dentro dele, havia o braço do capital financeiro - ou seja, a seara de atuação daqueles que mandam no país. É, por isso, que nunca na história desse país, os bancos e outros setores da economia como a construção civil, empresas que atuam no campo da infraestrutura do país, lucraram tanto. 

Com o Governo Dilma, as elites não puderam mais continuar com o seu projeto. Enquanto todos se beneficiavam com um governo que atendia aos seus interesses, o casamento de mentira podia se manter. Acontece que com as crises cíclicas e típicas do capital, Dilma não conseguiu emplacar o sucesso de Lula. A diferença de Lula e Dilma não está somente nos governos, mas na capacidade que cada um tem: aquele é imensamente habilidoso para costurar alianças e subverter situações adversas, esta possui uma oratória claudicante, que demonstra o seu desarranjo em situações várias. 

Treze anos de Governo do PT é muito para as nossas elites. É insuportável para quem, em quinhentos anos, esteve assentado no sofá da casa-grande. 

Essa onda que tomou o país desde 2014, quando da eleição de Dilma, chegou a um paroxismo insustentável. A mídia conservadora, que pertence às nossas famigeradas elites, tem conseguido desmontar um governo eleito e legitimado pelas urnas. Os dias tornam-se nebulosos não somente para o Governo, mas para todos aqueles, que como eu, possui uma crença ingênua na democracia. 

Hoje cedo, ao ver aqueles sujeitos vestidos com a camisa da seleção brasileira, que pertencem à classe média (e, portanto à classe trabalhadora), indo para uma suposta manifestação contra o governo; "protestar"contra uma corrupção "seletiva", já que muitos dos políticos do PSDB que estariam na nefasta manifestação, também, não são ninfas puras e santas, percebi o tamanho de nosso desarranjo. Vendo a farândola vestida de amarelo, como amarelo estava o meu ânimo, com a bandeira nas costas, percebi o nível de nossa imbecilidade. O idiota útil que foi à manifestação de hoje e que amanhã acordará para trabalhar, não percebe que o que está em jogo é uma ruptura democrática. Que o nosso país de biltres e pulhas, de malandros e carnavais, de futebol e otimismo chocho, que nossa frágil "coesão democrática" construída desde 1988 com a nova Constituição está ameaçada. Quando cai um governo de origem popular (por mais que o PT não seja um partido socialista e que tenha perdido muito de sua legitimidade), mas, que historicamente, sinalizou para a preservação dos direitos da classe trabalhadora, quem perde são os trabalhadores - inclusive a "boçal" classe média, que não é elite. Hoje vivemos um dilema: ruim com o PT; pior sem o PT.


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