quarta-feira, janeiro 25, 2012

Meus Verdes Anos, de José Lins do Rego, é uma obra metalinguística

Após ter lido Meus verdes anos de José Lins do Rego, fiquei com a funda impressão de que aquilo que li era uma obra metaliguística. O livro foi publicado no ano de 1956, ou seja, um ano antes da morte de José Lins, que morreria a 12 de setembro de 1957. Escrever Meus verdes anos foi abrir um baú de memórias com as cores da infância. Era como se o escritor afirmasse: "Aqui está o meu material literário. Isso explica tudo".

Nos parágrafos finais do livro de memórias, o garoto do Pilar explica as suas dores pelo fato do canário Marechal (presente do negro José Joaquim) ter ido embora. Destaco as seguintes palavras: "E mal pus os pés por debaixo da goiabeira, ele voou para longe até sumir-se na distância. Ainda o vi como um pontinho no céu. Vi-o furando o espaço e correndo para o mundo. Lá se fora ele com os cantos que enchiam de alegria as minhas madrugadas de asmático. Lá se perdia ele para sempre, assim como estes meus verdes anos que em vão procuro reter" (o destaque é meu). As palavras em destaque expressam esse desejo de uma tentativa de reter as fragrâncias infância.

José Lins foi "um escritor menino". Nunca esqueceu as suas experiências de infância. É curioso como em Meus verdes anos a força sinestésica dos eventos estão presas em suas descrições. Ele consegue falar em "miado de gato", "chiado de carro de boi"; do "cheiro do capim" cortado pelo negro José Joaquim; da "fragrância" lascivizante de Zefinha; da vulva escura da negra que lhe dava banho e que se abria como uma flor rubra. Lê-lo é imergir num rio imenso, como o rio Paraíba (descrito no livro).

Quando lemos Meus verdes anos, entedemos Menino de Engenho, Doidinho, O Moleque Ricardo, Cangaceiros ou Usina, por exemplo. Acentuamos a compreensão de muitos dos personagens do escritor. Daí é que falamos de uma metaliguagem do livro publicado em 1956.

A obra de Zé Lins é um retrato imprescindível para a formação de uma antropologia do homem do nordeste em dado momento histórico. Assim como a obra de Balzac mostrou a França burguesa - seus costumes, hábitos, valores e doenças -, Zé Lins mostrou como nenhum outro o retrato das oligarquias do açucar e o tipo de sertanejo que é formador do homem regional brasileiro - o cangaceiro; o homem religioso; a ligação inconsciente com a igreja. Revelou os aspectos ecônomicos - a ascensão e a decadência dos engenhos. José Lins escrevia sem preocupações de engajamento e compromisso aparentes. Ele escrevia porque tinha o que dizer, como que para libertar-se das várias vozes que ele havia captado em sua infância.

Estou desejoso para ler, ainda, Usina, Pureza, Moleque Ricardo e Riacho Doce nesse primeiro semestre. Como é bom e gostoso ler José Lins do Rego, o escritor menino!

4 comentários:

Anônimo disse...

Caro Carlinus, Infelizmente hoje cedo tentei abrir o maravilhoso site O SER DA MÚSICA e fui ''barrado'' eu solicito um convite , muito obrigado pela atenção. E gostaria de saber se posso divulga-lo em meu blog .

Pedro

Carlinus disse...

Pedro, o SER DA MÚSICA está provisoriamente fora do ar. Estou pensando o que faço daqui para frente. Os últimos acontecimentos demoliram o meu entusiasmo. Não estou compartilhando o site. Ele está OFF "mesmo".

Você pode divulgar qualquer um dos sites. Fique à vontade!

Abraços, Pedro.

Anônimo disse...

Meu caro, no início deste ano, por caso, me caiu em mãos um volume de MENINO DO ENGENHO que já havia lido nos meus tempos de ginásio. Não consegui mais parar de ler. Dai por diante li, sem parar DOIDINHO, BANGUE, O MOLEQUE RICARDO, USINA, FOGO MORTO, PUREZA, PEDRA BONITA e CANGACEIROS

Carlinus disse...

Zé Lins é apaixonante. A fluência do seu texto; a beleza e o realismo; a naturalidade com que ele trata do homem nordestino é algo feito com grande desenvoltura. O escritor paraibano é, com certeza, um dos maiores escritores de todos os tempos das letras brasileiras. Seria bom se os jovens ao invés de lerem Harry Potter, Crepúsculo e outras baboseiras tidas por literatura, lessem o moço do Pilar.

Obrigado pelo comentário!