quinta-feira, maio 24, 2012

Devaneios - "Que é a verdade?" (Pôncio Pilatos)

Os homens morrem e matam por causa de supostas verdades. Mas o que é a verdade? Diz Nietzsche que uma das perguntas mais sensatas que já foram produzidas está na bíblia, naquele episódio protagonizado por Cristo no momento de seu julgamento pelas autoridades judaicas e romanas. Ao receber Cristo em seu palácio, Pilatos fez a seguinte pergunta: "Que é a verdade?". Tal pergunta revela o espírito da filosofia. O espírito que rege a natureza da existência dos homens. Ora, corroborando com essa inquirição de Pilatos, há alguma verdade? Ou vivemos num mundo de juízos criados por meio de convenções linguísticas? O que é, nesse mesmo sentido, a mentira? 

Não existe uma verdade ou verdades. Toda a contigência é resultado de uma interpretação. Nesse sentido, não há fatos. Somente interpretações, porque as supostas verdades não são coisas em si. O que o homem chama de verdade é, no fundo, a cristalização de um conjunto de códigos que se transformam em consolo psicológico. Enquanto entes que vivemos imersos no devir, somos acometidos pela fatum, em linguagem nieztscheniana. Ou seja, pelo movimento inexorável da vida. O homem não aprendeu a viver com esse fatum e com a possibilidade do sofrimento. Com isso, é necessário inventar para si um "sentido" para que o sofrimento faça sentido em sua existência, no qual o grande absoluto é o movimento. 

Verdade é a própria realidade em que vivemos. Isso é verdade. A natureza é a verdade. O conceito de história, de direito, de verdade, de mentira, são invenções humanas para dar sentido à sua busca por uma âncora onde deposite as suas angústias. Ninguém deve arrogar para si a pretensão de ter a verdade. A verdade não é propriedade de ninguém, porque ela não é algo em si. 

Erigimos nessa luta uma realidade fundada em dualismos - preto e branco, saúde e doença, bem e mal, realidade e aparência. Os julgamentos que fazemos propendem para um lado, pois entedemos que somente um lado da moeda da vida possui uma figura a ser considerada. Aquilo que não se encaixa nessa categoria não é. Em sentido nietszcheniano o corpo é a grande razão. Todos os segredos e potências estão nele adormecidos. O sentido do mundo é construído pela linguagem. A palavra expressa o conceito e o conceito expressa a avaliação, um modo de ver, uma perspectiva.

Quando avaliamos a religião, verificamos que o conteúdo metafísico e espiritual que ela alega carregar não é algo em si. É construto. É a sedimentação de uma linguagem. De metáforas. De metonímias. De símbolos que abrigam a ausência daquilo  mesmo que diz ter e abrigar. Crer é depositar fé em algo que não é, mas que torna-se na força daquilo que digo crê. Então quando digo crê, não creio em algo externo a mim, alguma realidade que é algo em si - absoluto, eterno, guardador da moral etc. Creio numa linguagem que ganha lógica, sentido e coerência por causa da linguagem criada como elemento que passa ser, sem que de fato seja. Então cremos naquilo que criamos. Na força vazia de uma crença que nada é senão força sem conteúdo. 

Para finalizar cito Nietzsche e seu texto Sobre verdade e mentira no sentido extramoral:

O que é a verdade, portanto? Um batalhão móvel de metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceu que o são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efígie e agora só entram em consideração como mtal, não mais como moedas.

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