terça-feira, maio 01, 2012

Graciliano Ramos e o "valor enorme das palavras"



Graciliano Ramos é um mundo vasto, mas medido pelas palavras. Da afirmação encontrada em Infância, autobiografia mesclada com elementos fictícios, de que o autor percebeu "o valor enorme das palavras", resta uma explicação para a sua obra tão ajustada, tão arrojada, como aquelas prensas utilizadas pelos nordestinos para tirar o veneno da mandioca e preparar farinha. Graça, como era conhecido pelos mais íntimos, coseu cada vócabulo como estivesse produzindo um tecido raro, medido, para o baile perfeito da literatura. Cada palavra é um tijolo de sustenção, capaz de estruturar magicamente cada um dos seus livros. Se uma palavra for extraída dessa grande estrutura, todo o restante vem abaixo. Nada se torna prescindível. Tudo está lá, posto. A argamassa de Graciliano é a literatura.

Descobri Graciliano Ramos quando estava no final do ensino médio. Ainda lembro do primeiro livro que li: São Bernardo, para mim, a sua obra mais visceral. A introspecção-reflexão de Paulo Honório no último capítulo, não perde para nenhum autor de qualquer lugar do mundo. Aquilo é de fazer chorar. Logo em seguida veio Vidas Secas, o popular tornado em elegante e erudito; e, Memórias do Cárcere, livro que me abriu olhos, deixou-me com uma impressão de que precisava daquele mundo. Em Memórias do Cárcere, percebi o peso de cada uma das palavras. Se em Vidas Secas e São Bernardo houve a preocupação com o sentido da leveza de cada uma das palavras que, juntas, constroem o peso de uma literatura capaz de aturdir, em Memórias do Cárcere a crueza e o ceticismo-realista úmido de cada palavra, lança-nos num mundo de injustiças, caos e na bárbarie dos bichos acossados pela insânia do governo getulista. Em logo em seguida, ainda no ensino médio, li Angústia. O romance me fisgou por completo. O retrato do mofino Luis da Silva dá a Graciliano, o epíteto de "dostoiévski do sertão". Crime e Castigo à brasileira.

A despeito de não ter lido apenas Viagem, conheço o restante das obras do escritor alagoano. Graciliano é uma paixão. Na minha humilde concepção, um dos maiores escritores do século XX aqui no Brasil. Citaria ainda Clarice Lispector e Guimarães Rosa para formular a tríade perfeita da literatura brasileira. O homem do sertão e de alma com impressões agrestes; de fala parca; de gestos sóbrios. Ateu. Indiferente à música. Fumante inveterado marcou a literatura. O filho biógrafo Ricardo Ramos uso o termo "rompante" para descrever esse fenômeno. Ou "diapsão alagoano". O filho privilegiado, que conviveu com o escritor durante pouco mais de vinte anos, afirma que viu o pai chorar apenas em dois episódios: (1) quando do suicídio do filho Márcio; e (2) e a outra foi na ocasião da morte de Stálin, no ano de 1953. 

Este ano, o mundo comemora 120 anos dos nascimento de Graciliano Ramos. Um dos escritores brasileiros mais respeitados do mundo.

Depois comentarei o livro Graciliano - Retrato Fragmentado, de Ricardo Ramos, que chegou à sua nova edição.

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