terça-feira, julho 10, 2012

O Moloque Ricardo (uma obra política) - pequenas observações


Li neste último final de semana O moleque Ricardo, de José Lins do Rego. A intenção era ler Usina, mas verifiquei que O moleque Ricardo é o quarto livro de "o ciclo da cana-de-açucar" e decidi postergar a leitura de Usina, livro lançado no ano de 1936, já que temos uma questão cronológica envolvida. Usina é o último livro do "ciclo" criado pelo escritor paraibano. Coisa curiosa é ler os livros de José Lins do Rego. Já pude ler três das suas obras neste ano de 2012. Pretendo ler ainda outros dois - Fogo Morto e Usina - e, quiça, Cangaceiros. Quando tiver lido Usina, concluirei todo "o ciclo da cana-de-açucar".

Escusado é dizer que José Lins do Rego é um dos maiores escritores que já surgiram em terra brasileira. Ele é uma espécie de Marcel Proust nordestino. Um Balzac paraibano. Sabia contar uma história como ninguém; observar as idiossincrasias mais profundas do seu povo. À medida que avançava em seu texto, percebia como existe uma fluência em sua escrita. O texto corre célere como as águas de um richo. Vai embora exatificando por meio de uma transparência incomum os fatos mais caracteríticos da vida do homem nordestino. 

No caso de O Moleque Ricardo, José Lins desejou dar vida a um personagem que atuou como coadjuvante nos outros três romances iniciais do "ciclo" - O menino de Engenho, Doidinho e Bangue. Ricardo atua nas três obras iniciais como aquele que brincava com o "senhozinho rico" da casa-grande - no caso, Carlos de Melo, neto de Zé Paulino, o dono do Santa Rosa. Carlos de Melo após a morte do avó não consegue manter o engenho. A bancarrota acontece de maneira certa. A morte do coronel Zé Paulino simboliza a própria morte do engenho, como se dá em Bangue

Em O Moleque Ricardo, Zé Lins situa os holofotes sobre 'o negro que tinha caráter como o diabo', como o próprio romancista depõe acerca da personagem. Ricardo é antítese da própria vida citadina. É como se José Lins quisesse contrapor os valores da vida rural aos da vida urbana. Ricardo deixa o Engenho Santa Rosa e vai para o Recife tentar a sorte na cidade grande. Lá ele percebe o quanto "os homens pequenos" são pisoteados por uma desigualdade avassaldora. O romance narrado em terceira pessoa, demonstra fortemente o engajamento do romancista refletindo os problemas sociais. Fala-se em Marx, em Lênin, na Rúsia; no operariado; nas associações dos trabalhadores; em greve, em passeata; em comícios. Há em O moleque Ricardo um forte socialismo social, distendendo as forças entre os pequenos e a ganância do Estado na pessoa dos governantes. 

Ricardo representa o bucolismo da cena rural. A bondade do selvagem, uma tese quase rousseauniana, contra a ganância das elites; daqueles que aviltam com a finalidade de obtenção de lucro; que alienam; que vituperam o trabalhador. Um exemplo disso se dá quando um dos empregados de seu Alexandre, dono da padaria onde Ricardo trabalha, é despedido. O patrão após perceber que o empregado havia participado de uma passeata dá as contas do sujeito. Este após ficar sem emprego, vê-se numa situação de penúria e acaba cometendo assaltos para sustentar a família. Ricardo fica sabendo da história e comenta com os amigos. A conclusão a que chegam é que o responsável por aquilo era o patrão, pois deixou o empregado numa situação vulnerável. A ganância da sociedade corrempe e sujeita o trabalhador (o bom homem) à condenação.

Apesar de ser uma obra eminentemente política, O moleque Ricardo é uma obra lírica. Graciliano Ramos disse certa vez que se tratava de uma das maiores obras de ficção de nossa literatura. Há passagens belíssimas. Por exemplo, quando Ricardo e seus companheiros estão sendo enviados para Fernando Noronha, como resultado da punição por causa da greve. Zé Lins utiliza-se do recurso da repetição e imprime um forte toque minimalista e trágico à fala de uma das personagens - Pai Lucas. "Que fizeram eles?" Ao que se responde: "Não se sabe não.". 

É como se Zé Lins inocentasse o negro Ricardo e seus companheiros da sina medonha. Foram presos e seriam deportados para um lugar distante pelo simples fato de desejarem uma vida melhor, mais digna e o resultado foi catastrófico. E o repicar dessa sentença ("Que fizeram eles?" "Não se sabe não.") vai sendo repetido como algo que se perde na distância. Uma representação do navio que transporta a leva de degredados. As metáforas são lindas. As metonímias são exatas. As aliterações mexem com a compreensão. 

Baita livro!


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