domingo, setembro 30, 2012

As marcas do tempo - setembro

O mês de setembro termina repleto de efeitos. Foi um mês denso, espesso. Foi longo. Demorou a passar. Trabalhei muito. Ainda sinto dentro de mim os ecos do cansaço nesse momento em que as curvas do tempo começam a findá-lo. Quase não sobrou tempo para fazer aquilo que mais gosto que é ler, mergulhar numa boa narrativa; quase não me sobrou tempo para escrever. Este espaço que é uma passagem acidental para visitantes incidentais, ficou parado, hemiplégico. Olhá-lo assim causa-me desconforto. 

Começou a primavera e eu nada disse. Nos interregnos entre um compromisso e outro, terminei a leitura do cortante livro do Richard Dawkins, Deus - um delírio, uma análise feita a navalha. Capaz de provocar efeitos retóricos, científicos e filósoficos incríveis. Dawkins, um dos cientistas mais renomados do mundo, neodarwinista, partiu para o ataque impiedosamente contra a religião e o conceito de Deus. Após a conclusão da leitura de Dawkins, iniciei com certa suspeição O Delírio de Dawkins, de Alister McGrath & Joanna McGrath, dois cientistas cristãos da Inglaterra. Até onde li, percebi uma retórica "repleta de humildade" com uma finalidade implícita: derrubar os argumentos de Dawkins ou tentar desqualificá-lo; chamá-lo de fundamentalista, de religioso em sua crença científica. Mas, depois pretendo fazer um pequeno comentário ao livro de Dawkins e ao livro dos McGraths. 

Setembro se vai, mas ficou em mim as marcas de seus dedos nodosos. Sigamos. Sempre atuando, atualizando.

domingo, setembro 16, 2012

Aula chata é legal - Por Cassionei Petry

O professor chega à sala de aula, sorridente, dá bom dia, abre o caderno de chamada e, brincalhão, diz: “chamaaaadaaaaa... a cobrar, para aceitá-la, continue na linha após a identificação”. Os alunos riem, um deles diz “só podia ser o 'sor' mesmo”, o gelo é quebrado, o mestre termina o dever burocrático e, ainda sorridente, vai começar a aula. Antes, porém, de ir ao quadro (negro, verde ou branco), ouve de um aluno, com a aprovação da maioria, a frase que lhe tira toda a base de sustentação: “Profe, faz uma aula diferente hoje, pra não ficar tão chata!” O mestre diminui seu sorriso, conta mentalmente até três e responde: “Caros alunos, bem-vindos ao mundo real. A realidade que os espera lá fora é chata, às vezes, assim como uma aula de língua portuguesa”. 

Criou-se, nos últimos tempos, a ideia de que o professor deve ser como um apresentador de televisão, que precisa manter a audiência, tanto do auditório, como dos telespectadores. É preciso conquistar os alunos, dizem muitos teóricos no assunto, já que há outras coisas mais interessantes fora da escola. Para tanto, se faz necessário métodos inovadores, como a dança do “cada um no seu quadrado” ou incentivá-los a ler Paulo Coelho. Mesmo assim, porém, não se consegue agradar aos alunos, que querem cada vez mais liberdade e menos compromisso. Nesse diapasão, daqui a pouco, iremos para a sala de aula, com o bolso recheado de cédulas em forma de aviãozinho, e gritaremos “quem quer dinheiro” para que os alunos prestem atenção nas lições. Isso se houver lições para ensinar.

A internet proporciona um mundo mais interessante para os nossos jovens, dizem. Até posso concordar, afinal de contas também reservo parte do meu tempo para pesquisas na rede mundial de computadores, e com resultados esplêndidos. No entanto, sabemos que eles não utilizam, na maioria dos casos, a web para aprender, mas sim para coisas mais fúteis, como compartilhar fotos, baixar a música do momento (geralmente de péssimo gosto), assassinar a língua portuguesa e muitos etcéteras. Sou contra as coisas fúteis? Não, até porque o entretenimento faz parte da nossa vida e eu mesmo já compartilhei fotos e assassinei a língua uma porção de vezes em redes sociais na internet (psiu, bem baixinho aqui: já fiz downloads de músicas de gosto duvidoso também). No entanto, na idade em que mais se deve aproveitar o tempo para aprender, os jovens desperdiçam a chance de conhecer o que de mais importante já foi realizado pelos nossos cientistas, filósofos, matemáticos, historiadores e escritores. E se nós, professores, abrirmos mão disso e nivelarmos por baixo o conhecimento, estaremos criando seres humanos medíocres, preocupados, mas nem tanto, tão somente em atingir a média para passar de ano.

As aulas não devem ser chatas? Por que não? Se o estudante está na escola para aprender, uma das lições é a de que nem sempre as coisas são prazerosas. Acordar às 6 horas da manhã para trabalhar não é nada agradável. Pegar ônibus lotado é um saco. Nem sempre se tem um chefe carismático. Conviver com gente chata é chato. As coisas não são, portanto, como queremos que sejam. O mundo não gira em torno do nosso umbigo. Essa é a realidade que nossos alunos vão enfrentar. E é isso, também, que devemos ensinar.

Texto publicado com a autorização do senhor Cassionei

sexta-feira, setembro 14, 2012

O sarcasmo de Richard Dawkins - fantástico!

Não pude deixar de jubilar, de dar boas risadas quando li o trecho abaixo no livro Deus: um delírio, de Richard Dawkins. Dawkins, argumentador sarcástico, brinda-nos com uma construção sutil e zombeteira a respeito da presunção da verdade única e insofismável da maior parte das religiões. No caso em específico, Dawkins põe em foco o cristianismo e seus principais fundamentos. Belíssimo argumento. 

(...) "As conclusões de antropólogos só nos soam estranhas porque não nos são familiares. Todas as crenças religiosas soam estranhas para as pessoas que não foram criadas dentro delas. Boyer pesquisou o povo fang, de Camarões, que acredita 

que as bruxas têm um órgão interno extra, parecido com um animal, que sai voando à noite e arruina as plantações das pessoas ou envenena seu sangue. Também se diz que essas bruxas às vezes se reúnem para enormes banquetes, em que devoram suas vítimas e planejam ataques futuros. Muitos vão lhe dizer que um amigo de um amigo viu mesmo bruxas voando sobre o vilarejo à noite, montadas numa folha de bananeira e lançando raios mágicos contra vítimas inocentes. 

Boyer prossegue contando uma anedota pessoal: 

Estava mencionando essa e outras coisas exóticas num jantar numa faculdade de Cambridge quando um de nossos convidados, um teólogo proeminente de Cambridge virou-se para mim e disse: "É isso que torna a antropologia tão fascinante e também tão di-fícil. Você tem de explicar como as pessoas podem acreditar em tamanhos absurdos". Fiquei pasmo. A conversa já tinha mudado quando encontrei uma resposta pertinente — tinha a ver com chaleiras e bules. 

Pressupondo que o teólogo de Cambridge fosse um cristão normal, ele provavelmente acreditava numa combinação das seguintes coisas: 

• No tempo dos ancestrais, um homem nasceu de uma mãe virgem, sem nenhum pai biológico envolvido. 

• O mesmo homem sem pai clamou a um amigo chamado Lázaro, que estava morto havia tempo bastante para cheirar mal, e Lázaro imediatamente voltou à vida. 

• O próprio homem sem pai voltou à vida depois de ficar três dias morto e enterrado. 

• Quarenta dias depois, o homem sem pai subiu ao topo de uma montanha e depois desapareceu no céu. 

• Se você murmurar coisas dentro da sua cabeça, o homem sem pai, e seu "pai" (que também é ele mesmo), ouvirá seus pensamentos e pode tomar providências em relação a elas. Ele é capaz de ouvir simultaneamente os pensamentos de todas as pessoas do mundo. 

• Se você faz alguma coisa ruim, ou alguma coisa boa, o mesmo homem sem pai tudo vê, mesmo que ninguém mais veja. Você pode ser recompensado ou punido, inclusive depois de sua morte. 

• A mãe virgem do homem sem pai nunca morreu, mas "foi transportada" corporeamente para o céu. 

• Pão e vinho, se abençoados por um padre (que precisa ter testículos), "transformam-se" no corpo e no sangue do homem sem pai. O que um antropólogo objetivo que desse de cara com esse conjunto de crenças numa excursão de pesquisa em Cambridge pensaria delas?"

(Dawkins, Richard. Deus: um delírio. São Paulo. Companhia das Letras, 2007, 235-237)

quarta-feira, setembro 12, 2012

A beleza mesmo em meio ao agreste

Em determinadas épocas do ano, o Distrito Federal se desertifica. O clima chega a níveis de pouca suportabilidade. A temperatura sobe. A umidade do ar chega índices alarmantes. O calor asfixiante nos deixa com uma forte sensação de irritabilidade. Tornamo-nos suscetíveis a problemas respiratórios com esse clima pouco "civilizável". A cidade inteira sofre. As crianças agonizam. Um colchão de fumaça encobre os quatro cantos da desse pedaço do Centro-Oeste. O céu límpido e alto que pode ser avistado com muita facilidade em outras épocas, torna-se indistiguível. 


Para piorar, os focos de incêndio se multiplicam. É corriqueiro constatarmos ao caminhar, um corpo cinzento se esgueirando para alcançar as alturas - o resultado das queimadas no cerrado. Em outras palavras: essa visão terrível já passou a fazer parte do período que se estende do final de agosto ao início de outubro. Setembro é o mês do "apocalipse" por aqui.

Mas a natureza é sábia e misteriosa. Ela oferece compensações. Presenteia-nos com revelações impressionantes. O que é curioso (e já se tornou notório em todo país) é o fato de que, nessa época, Brasília ganha cores de vida em meio à secura agreste. Ontem, por exemplo, ao voltar do trabalho para casa, pude presenciar vários ipês floridos. E, claro, acabei tirando algumas fotos com o meu celular. A qualidade não é das melhores, mas nos dá uma noção da beleza.

Abaixo, algumas imagens.






domingo, setembro 09, 2012

"Onde há dúvidas, há liberdade" e O mundo assombrado pelos demônios

Concluí há alguns dias a leitura de O mundo assombrado pelos demônios, de Carl Sagan. Já fazia um bom tempo que eu não havia lido algo que me balançou tanto. Sagan com sua prosa elegante e fácil suscitou em mim um forte apego ao bom senso. Cada capítulo teve um sabor dignatório. A função do livro é explicitada no subtítulo - A ciência vista como uma vela no escuro. O livro revela o amor que o americano possuía pela ciência, que como ele mesmo diz sobre o conhecimento científico: "A ciência é o melhor que temos". Ou: "A ciência é o modo de desmascarar aqueles que apenas fingem conhecer". 

O fato é que Sagan é transparente e honesto em sua análise. Mostra-se convincente em todos os momentos do livro. Sua maior arma é o modo como constrói os argumentos. Busca persuadir por meio de uma lógica combinada com uma abordagem firmada na sensatez. É nesse sentido que Sagan fala de discos voadores, da astrologia, das crenças religiosas, dos argumentos desgatados que buscam sustentar a existência de Deus. Dois dos capítulos mais notáveis do livro têm por título são "Um dragão na minha garagem" e "A arte refinada de detectar mentiras".

O mundo assombrado pelos demônios é um documento fascinante a quem deseja arrancar as máscaras da mentira e das superstições. Um fato curioso se deu comigo e serve para atestar a relevância do livro. Eu estava numa fila de supermercado e um moça curiosa quis saber o que eu estava lendo. Perguntou o nome do livro. Enunciei o nome do livro. Ela disse persingnando-se: "Cruzes!". E inquiriu: "Por que você está lendo isso? Alguém te indicou?". Até que expliquei do que se tratava o livro e ela se viu mais aliviada .O que a deixou contrafeita foi o fato de eu ter falado "demônio". Em pleno século XXI, muitas pessoas ainda vivem assustadas com essa hipótese como se ainda estivessem em plena Idade Média.

As crenças e superstições são gaiolas capazes de fazer prender os homens em suas grades. De certa forma, como diz Carl Sagan, "a credulidade mata". As crenças são piores que as mentiras; e, as convicções, inimigas do bom senso. Nesse sentido, é legítimo dizer que "onde há dúvida, ali há liberdade" para se buscar o novo, para se forjar, com criatividade, caminhos viáveis para um debate coeso e rico. 

Posso concluir que esse livro terá forte influência nos caminhos e decisões que eu vier a tomar daqui para frente. É somente desvestido de dogmas que o homem pode escrever uma nova história não marcada pelo ranço perverso das cristalizações. E para terminar, uma pergunta fascinante feita por Sagan logo no início do livro: "A que interesses a ignorância serve?".