domingo, junho 24, 2012

Pink Floyd e quinquilharias

A fria manhã de Brasília me deixou meio nostálgico. Adoro o frio. Penso que sejam nesses momentos que nos tornamos mais introspectivos. Devo afirmar que tenho uma predileção por esses momentos de recolhimento em mim mesmo. Julguei que fosse oportuno ouvir Meddle do Pink Floyd, álbum de 1971. Na minha opinião, penso que esse seja um dos melhores álbuns gravados pela banda inglesa. Ouvir Pink Floyd é como que está em um sonho. A realidade é vertida e parecemos nos locomover dentro de uma tela de Salvador Dali.

Todas as canções de Meddle beiram o absurdo. Possuem ecos espirituais e existenciais fortíssimos. Por exemplo, a canção A pillow of winds (algo como "Um travesseiro de vento") é uma das canções mais belas do disco. A músia soa como um idílio. Uma canção de ninar que faz adormecer criaturas inocentes.  A letra da música diz:

"Uma nuvem de penas desce ao meu redor
Suavizando o som
Um tempo sonolento quando eu me deito com meu amor ao meu lado
Ela está respirando lentamente, e a vela morre


Quando a noite chega, você fecha a porta
O livro cai no chão
Enquanto a escuridão cai e as ondas passam
As estações mudam, o vento está morno


Neste momento acorda a coruja, neste momento dorme o cisne
Eis um sonho, o sonho se foi
Campos verdes, uma chuva fria
Está caindo na aurora dourada


E profundamente abaixo do solo, o início da amanhã aparece,
e eu me abaixo
Um tempo sonolento quando eu me deito com meu amor ao meu lado
E ela está respirando lentamente
E eu me elevo como um pássaro
Na neblina quando os primeiros raios tocam o céu
E as ventos da noite morrem"
 
E isso  ajuda a colocar mais lenha da minha fogueira de ventos. Gosto desses voos surreais do Pink Floyd. Recordo que na minha adolescência, um dos discos que mais ouvi da banda de Gilmour foi A momentary lapse of reason. Fazendo uma diferenciação entre Meddle e A momentary lapse of reason, verificamos que o primeiro é mais leve, enquanto este último é mais melancólico e turbado por sentimentos eclipsados. 
Hiato. Agora estou ouvindo Fearless ("Destemido"). É uma balada que fala sobre desafios. A última estrofe da música é linda.

[...] "Caminhe, caminhe
Com esperança no seu coração
E você nunca andará sozinho
Você nunca andará sozinho".

Ontem à noite enquanto vagava pelo Youtube, achei um vídeo que muito me fez lembrar dos dias de minha adolescência. O vídeo traz uma das músicas do Floyd e imagens de tirar o fôlego. A canção é Sorrow ("Angústia"), do álbum A momentary lapse of reason. Não deixei de pensar no dinamismo da história. Do movimento constante da natureza. E de como nós, seres humanos, somos excrescências conscientes. Existe uma imparcialidade na natureza. Ou seja, ela existe regida por leis que são dinamizadas por uma dialética. Tudo se movimenta.(Hiato. Agora escuto Echoes ("Ecos") - assustadoramente bela). A natureza caminha a despeito da humanidade.

 Abaixo, o vídeo exibindo as imagens plasmadas à música do Pink Floyd e a voz angustiada e sentenciosa de Gilmour. 

sexta-feira, junho 22, 2012

O neoliberalismo e a morte da Terra

Baita texto do Mauro Santayana. O jornalista fala sobre algo que eu já intuía: o fiasco que foi a Rio+20, sendo que, como já era esperado, o responsável por tal fato vexatório é, no dizer de Santayana, "a peste da ganância do capitalismo". 

Por Mauro Santayana

Não se pode esperar muito da Conferência do Rio. Há quarenta anos que o problema do meio ambiente vem sendo discutido e, nesse tempo, pouco se fez de objetivo a fim de assegurar as condições que a biosfera oferece à Natureza. Ao que parece, o homem está à espera de uma catástrofe – como foi a peste negra, no século 14 – a fim de compreender as dimensões de seus erros. Naquele século emblemático – no qual historiadores encontram semelhanças com o nosso – a população européia quase desapareceu. Pulgas e ratos levaram a peste da Ásia e encontraram o continente vulnerável à bactéria Yersinia pestis: segundo os cálculos, mais de um terço dos europeus pereceram no curso de quatro anos. Como vemos, seres aparentemente tão frágeis são capazes de promover hecatombes.

O que está matando o mundo, hoje, vale repetir, é a peste da ganância do capitalismo, que transformou a razão científica em mera servidora do dinheiro, principalmente a partir do neoliberalismo. Todos nós sabemos que os nutrientes químicos, como o nitrogênio, e agrotóxicos, estão matando os rios e extensões cada vez maiores dos oceanos. A Monsanto continua, firme, em nome da liberdade do mercado, a envenenar os solos e os mananciais de água – isso sem falar nas suas sementes transgênicas. O que já era ruim em 1972, quando se reuniu, em Estocolomo, a Primeira Conferência sobre o Meio-Ambiente, tornou-se muito pior a partir da conjuração anti-estado, promovida por Reagan, Thatcher – e, como coringa solto na jogada, o papa Karol Wojtila. Nestes últimos trinta e dois anos, não obstante as sucessivas declarações de alarme, e três novas conferências realizadas, pouco se fez de objetivo, a fim de salvar a natureza. Assim, o neoliberalismo acelera o assassinato da Terra.

A realidade nos impõe uma constatação: enquanto os Estados Unidos que, para o bem e para o mal, são o modelo da civilização contemporânea, não mudarem a sua matriz energética, e não contiverem a insensatez da bio-engenharia a serviço dos interesses do grande capital, o mundo continuará sua marcha para a tragédia.

Em nosso caso, a salvação da biodiversidade com que nos privilegiou a Natureza e, em seguida, a História, vem correndo novos e evitáveis riscos, a partir do desmantelamento do Estado, promovido pelo governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso.

Desde Getúlio Vargas, o Brasil dispunha de grupos técnicos de planejamento de infraestrutura a médio e longo prazo. Durante o governo de Juscelino, esses grupos se tornaram a vanguarda do desenvolvimento da economia nacional. Os governos militares mantiveram alguns deles, reorganizaram outros e esvaziaram os demais. Um desses grupos, talvez o mais importante para o nosso desenvolvimento, era o Geipot – reorganizado em 1965, durante o governo de Castelo Branco, abandonado por Fernando Henrique e hoje em liquidação. A União teve o prejuízo de 400 milhões de reais na execução das obras da Ferrovia Norte-Sul, por falta de um órgão como o Geipot. O serviço das empreiteiras não foi fiscalizado, dia-a-dia, como deveria ter sido, e erros graves, além da não execução das obras planejadas, como estações e depósitos, foram constatados pela nova diretoria da Valec, a estatal que administra a implantação do grande trecho ferroviário.

Outra imprevisão do governo se manifesta agora, na Hidrelétrica do Jirau. Dois milhões de metros cúbicos de madeira e lenha, retirados da área a ser coberta pelas águas, estão destinados a apodrecer, por falta de aproveitamento econômico. A retirada dessa cobertura vegetal deveria ter sido planejada com antecedência e seu aproveitamento, da mesma forma.

Outras áreas da Amazônia estão sendo desmatadas para a exportação – legal e ilegal – da madeira, com os danos conhecidos ao meio-ambiente. É urgente que se planifique o aproveitamento racional da madeira e dos outros bens naturais existentes nas áreas a serem inundadas nas outras hidrelétricas em construção no território brasileiro. Há, ainda, no fundo da futura represa – cujo enchimento se iniciará ainda este ano – muita cobertura vegetal que, se não retirada a tempo, irá provocar danos imensos ao ambiente, ao produzir metano, um dos gases mais poluidores da atmosfera, além do carbono.

A eficiência do Estado se garante mediante o estudo prévio de suas necessidades e de suas possibilidades, ou seja, de planejamento. Desde o Império, empreendedores e homens de Estado pensaram em termos de planejamento. Até hoje é válido o projeto ferroviário de Mauá, que previa a ligação ferroviária entre o Norte e o Sul, entre o Leste e o Oeste, e o aproveitamento dos rios para o transporte de carga pesada. Vargas, na plataforma eleitoral de 1930, reafirmou a necessidade de planejamento e seguiu a idéia durante o Estado Novo. Vargas retomou o projeto nacional, em 1951 e Juscelino deu-lhe prosseguimento de forma vigorosa, em seu mandato. Com a desconstrução do estado nacional, o governo Fernando Henrique deixou o planejamento por conta das empreiteiras e dos estrangeiros. Vale lembrar a contratação da Booz Allen pelo governo tucano, para “identificar os gargalos” que dificultam o desenvolvimento do país, quando não faltam técnicos competentes nos quadros da administração federal para cuidar do planejamento dos projetos de infra-estrutura no Brasil, como é o caso dos transportes e da energia.

É hora de o Estado assumir diretamente a sua responsabilidade e buscar os meios constitucionais para acabar com as agências reguladoras e devolver aos ministérios as tarefas que devem ser suas. As agências reguladoras foram, nos Estados Unidos de Roosevelt e do New Deal, o instrumento do Estado para conduzir a economia nos anos de crise. No Brasil, elas tiveram o objetivo contrário, o de entregar aos agentes privados, a serviço dos interesses estrangeiros, a administração dos setores estratégicos nacionais, como a energia elétrica, as telecomunicações, as rodovias, as ferrovias e os portos – isso sem falar na saúde, com a Anvisa.

Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.

domingo, junho 17, 2012

A beleza que salvará o mundo

Ao chegar à minha casa ontem à noite, por volta de meia-noite, o porteiro do prédio onde moro afirmou que havia uma mercardoria para mim. Tratava-se na verdade de um livro que eu comprara pela internet no início da semana passada - A beleza salvará o mundo, de Tzvetan Todorov, o renomado ensaísta e literato búlgaro, radicado na França. Fui atraído ao livro por causa do título. Não é que eu escolha os livros que leio pela capa. Mas é que ao ler aquele afirmação (A beleza salvará o mundo) imaginei haver ali um forte dose de reflexão estética sobre o belo e a literatura. 

Ando numa fase na qual as minhas mais firmes convicções em torno do absoluto têm sido repensadas, remodeladas. Construo diariamente uma posição que se aproxima cada vez mais da independência da fé institucional. Ou seja, aquela fé cega, não reflexiva, que é resultado de uma moral de rebanho; uma fé infantilizante; que enfeia o mundo e o transforma num espectro desolado, cujas verdades estão prontas e são capazes de silenciar qualquer postura dialética. Aliás, não existe dialeticidade na fé, já que sua base epistemológica é dualista - é e não é. E ao contrário, penso que o mundo é um belo instrumento onde estão adormecidas as mais belas e suaves melodias. Quando li na orelha no livro as palavras abaixo, mais se aguçou a minha vontade de ler a obra:

"Durante milênios, deram ao absoluto o nome de Deus; após a Revolução Francesa, ele foi trazido à Terra sob a forma de nação, depois de Classe ou Raça. Hoje, vários são aqueles que não se reconhecem nessas formas religiosas e políticas sem, no entanto, pretenderem renunciar ao absoluto. Que cada indivíduo, então, faça sua busca, invente seu caminho.

Três grandes artistas do passado recente, Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Marina Tsvetaeva, situaram essa aventura no íntimo de suas existências. Insatisfeitos em criar obras inesquecíveis, puseram suas vidas a serviço do belo e da perfeição. Essa busca, porém, conduziu o primeiro à decadência física e psíquica, o segundo à profunda depressão e a terceira ao suicídio". Magistral!

quinta-feira, junho 14, 2012

Rio+20: o grande malogro

Quando se fala em debate sobre meio-amebiente, sempre fico com o beiço enrugado em sinal de grande pessimismo e riso surdo. Começou esta semana a Rio+20, a importante reunião que acontece na cidade do Rio de Janeiro e que reúne as principais economias, líderes goevrnamentais, intelectuais e agremiações não governamentais. O objetivo é claro: debater alaternativas para um desenvolvimento sustentável a fim de coibir o destino nebuloso para o qual o mundo caminha. 

Louvável. Mas à semelhança de Díogenes, rio acidamente de tal atitude. Existe um sentimento arrogante e egoísta no ser humano que o impede de fazer concessões quaisquer que sejam. Sem entrar em questões necessariemente econômicas, penso que a humanidade (leia-se os países ricos) não abrirá/abrirão mão de seu estilo de vida. Atualmente, por mais que haja ingentes avisos, debates, propagandas e alarmes sobre o sinal vermelho que começa a acender com relação ao esgotamento dos recursos naturais, vive-se como esses mesmos recursos fossem infinitos. 

A Terra é vista como um grande armazém de onde somente se tira. É como se tudo existisse para nós. Não nos vemos como seres que compõem a natureza, mas como seres apartados, distintos do mundo natural. Não refletimos que, quando falamos em natureza, a parte faz parte do todo e o todo é importante para a funcionalidade das partes. A humanidade não parou para refletir que somos absurdamente desnecessários para o Planeta; que a Terra poderia/pode continuar (muito bem!) sem qualquer rastro dos seres humanos. A existência do homem não está ligada teleologicamente a uma causalidade divina, mas a uma causa em-si da natureza. 

Surgimos da água. A evolução que nos trouxe até aqui é necessariamente dialética. Mas esquecemos que a natureza que produz é a mesma que, de forma firme e imparcial, pode negar as condições básicas da vida para que ela mesma continue a subsistir. Tudo faz parte de um grande sistema harmônico no qual tudo está interligado. Tudo faz parte de um halo sensível e delicado que nos envolve e da qual, também, fazemos parte. 

No tocante a isso, entendo que esse estilo de vida assentado sobre o consumo e o hedonismo não nos deixa um futuro muito promissor. Queremos cada vez mais. O que temos, em sua maioria, não é resultado de um elemento que compõe a vida, ou seja, algo inextricavelmente vital, mas resultado de uma necessidade forjada. Já não conseguimos viver sem os recursos energéticos do qual dispomos; sem os veículos; sem a maquinaria. Assoreamos rios, matamos florestas porque precisávamos construir novas cidades e novas estradas. 

A nossa paixão, assim como no sonho de Fausto, leva-nos-á à danação. Nosso destino é medonho. Ansiamos pelo inaudito. Namoramos o prazer e o consumo e sem querer estamos atraindo o caos. 

Sendo assim, a Conferência Rio+20 por mais que esteja baseada em célebre intenção não logrará resultados alvissareiros pelo simples fato de que mora a ganância, o hedonismo e a idolatria no coração do homem. O desejo de depredação e de estupro da natureza para que o seu estilo de vida continue. A Confereência não questiona o estilo de vida, mas tenta encontrar outros meios para os atuais padrões continuem e se estendam àqueles que ainda estã ofora do jogo do consumo. Fala-se em crescimento sustentável. Mas deixararíamos de consumir?

A história nos encaminhará para o cadafalço e quando quisermos regressar, então será muito tarde. Nesse dia entederemos, assim como Fausto, que já não temos mais alma, porque o sonho de um mundo melhor morreu nos corredores dos séculos de depredação e vilania. O Capitalismo roubou nosso espírito e decantou nossa capacidade de humanização.


sábado, junho 09, 2012

Thick as a Brick (do Jethro Tull), que disco, meus amigos!

A vida é um grande aprendizado. Quando penso no ser humano, fico duplamente impressionado: (1) o homem é o único ser capaz de produzir cultura e conhecimento. É capaz de inventar linguagens criadoras de sentido para a sua existência e que dão sustentação ao seu mundo. (2) mas é capaz, também, de se encher de orgulho, de viver em postura ufana, sem refletir a sua existência curta e atribulada. A máxima socrática ("Só sei que nada sei") deve morar na consciência de todo homem prudente, pois aquilo que conhecemos é ínfimo ante a grande constelação de saberes que habitam o universo.

Ora, escrevo tais palavras numa tentativa de aliviar a minha situação. Descobri uma das coisas mais sensacionais que já ouvi em toda a minha vida: o álbum Thick as a Brick, do Jethro Tull, um disco conceitual do ano de 1971. O disco é composto por apenas uma canção, cujo título é o mesmo do álbum. No primeiro lado, a música possui quase 23 minutos; já no segundo, possui pouco mais de 21 minutos. É uma grande viagem. Uma cavalgada pelas trilhas de um mundo rico de poesia e inventividade musical. Outro dia passei o dia inteiro (um desses sábados em que estamos em casa) ouvindo Aqualung, outro disco do Tull que é uma viagem sonora. A faixa inicial com aqueles acordes assombrosos produzem um efeito indescrítivel. Mas Thick as a Brick é diferente. Possui uma poesia diferente; um brilho sereno, no qual notamos a força criadora dessa banda inglesa, uma das maiores de todos os tempos.

Ian Anderson é mágico. Aquele som extraído da flauta, faz dele um bruxo produtor de alquimias sonoras incríveis. As melodias suscitadas pela flauta com elementos celtas e folks de Anderson são inigualáveis. A música começa lenta, uma balada serena. Vai encorpando aos poucos e ganha uma consistência na qual notamos a genialidade da banda. Na parte final, o tema se reencontra com a expectativa gerada na parte inicial da música. Até ouvir Thick as a Brick, pensava que a música mais visceral, ou seja, que possuía esta caractérística sideral, era 2112 do Rush, que é uma das canções que mais gosto da banda canadense. A música do álbum de mesmo nome (de 1976) da banda de Geddy Lee, possui pouco mais de dezenove minutos. Mas após ouvir o disco do Jethro Tull aquilo me fisgou por completo.

Agradeço ao Charlles Campos por ter me apresentado (indiretamente) ao Jetrho Tull. Charlles, que banda, meu rapaz!

Abaixo, um vídeo com a perfomance de Anderson.

domingo, junho 03, 2012

O dedo do Lula - por Emir Sader

O texto abaixo merece ser postado, divulgado,  difundido, como uma contudente reflexão. Escrito por um dos intelectuais mais autênticos do Brasil - Emir Sader - aponta o atraso histórico; o ódio purulento dos súcubos dos interesses externos, mas que têm raiva de sua própria história, dos trabalhadores que acordam todos os dias nas periferias e lutam arduam e dignamente para sobreviver num país repleto de desigualdade sociais. O texto mostra retrata a triste realidade do preconceito das elites brasileiras, principalmente, a paulista. O dedo do Lula é uma metáfora da própria classe trabalhadora brasileira. Muito bom!

O dedo do Lula

A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.

Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca, teve sempre como ideologia dominante a da elite branca, Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.

A elite paulista representa melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revoluçao de 30, menos ainda o governo do Getúlio. Foram derrotados sistematicamente pelo Getulio e pelos candidatos que ele apoiou. Atribuíam essa derrota aos “marmiteiros”- expressão depreciativa que a direita tinha para os trabalhadores, uma forma explicita de preconceito de classe.

A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo “a locomotiva da nação”, o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil. Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de Sao Paulo, eram todos “baianos” ou “cabeças chatas”, trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em Sao Paulo.

A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a “salvação do Brasil”- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.

Terminada a ditadura, tiveram que conviver com o Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para o qual canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.

Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. O dedo de uma mão de operário, acostumado a produzir, a trabalhar na máquina, a viver do seu próprio trabalho, a lutar, a resistir, a organizar os trabalhadores, a batalhar por seus interesses. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite paulista.

Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Tem que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.

O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos são sua representação política.
Da discriminação, do racismo, do pânico diante das ascensão das classes populares, do seu desalojo da direção do Estado, que sempre tinham exercido sem contrapontos. Os Cansei, a mídia paulista, os moradores dos Jardins, os adeptos do FHC, do Serra, do Gilmar, dos otavinhos – derrotados, desesperados, racistas, decadentes.

sábado, junho 02, 2012

O estilo de vida e "a bárbarie"

No ano 1 depois de Cristo, a população da Terra era de 300 milhões de habitantes. Mil anos após, a população do Planeta Terra havia chegado a 310 milhões de habitantes. Ou seja, em mil anos a população do mundo havia aumentado em 10 milhões de pessoas. Em 1600, a população havia dobrado para 600 milhões de habitantes. Em 2000, a estimativa era de que a população estivesse em 6 bilhões. E no ano passado o número de habitantes pulou para 7 bilhões. Algo realmente assustador. Crescemos em 10 anos o que não se cresceu em mil anos.

Oscilo entre o otimismo e o pessismismo e, por fim, permito que este último ganhe quando penso no futuro da humanidade e do Planeta. Em meados século XX, Rosa Luxemburgo gritava: "Socialismo ou bárbarie!". Não quero fazer uma defesa do socialismo ou repudiar peremptoriamente o capitalismo. Quero apenas refletir no fato de que o grande problema do mundo não é em si um sistema econômico, mas o próprio homem. O homem é o autor do colapso do Planeta e de si mesmo.

O que o Capitalismo faz é realçar esse egoísmo intrínseco. Adensar uma perspectiva que faz parte da essência do ser humano. O estilo de vida defendido pelo homem é parasitário e faz com que sobre pouco espaço para a manuntenção da vida. Quantas já não foram as espécies extintas por causa do homem? Quantas já não foram as florestas destruídas para que cidades fossem construídas? Quantos não foram os rios e córregos completamente assolados de maneira irresponsável. Já vivemos a "bárbarie" propugnada por Rosa Luxemburgo. 

Quase 1 bilhão de pessoas passam fome em todo mundo. Mais de 1,3 bilhão não têm sequer uma lâmpada em casa. O grande desafio do homem é manter-se vivo à depredação protagonizada por ele mesmo. Criamos um modelo de civilização e acreditamos que ele seja perfeito. Não queremos abrir mão de tudo aquilo que temos. O nosso estilo de vida parece irreversível. Nossas telas de computadores, de celulares, cospem o brilho irrefugável do orgulho; os carros velozes e cada vez mais sofisticados aguçam a velocidade de nossas fantasias. A necessidade de destruição das florestas para plantar, para construir casas, prédios, é cada vez mais premente. O espaço outrora reivindicado por todos os outros seres vivos, tornou-se do homem. 

Somente o homem é capaz de dizer: "Eu sou o dono disso aqui". "Isso é meu!" E com isso, todo o Planeta Terra está sitiado e medido pela ganância. Caminhamos a passos largos para o abismo. A estimativa é que em 2030, a população do mundo chegue a 9 bilhões de pessoas. E algumas perguntas nos surgem: Como vestir essas pessoas? Como alimentar essas pessoas? Como conseguir água? Como será a vida nas grandes cidades?

O Planeta oferece um limite e nós estamos demorando muito para perceber isso. Os economistas anseiam pelo progresso. Falam em "crescimento virtuoso", quando presenciam uma homogeneidade no desenvolvimento. Para eles, progresso é permitir que todos os sujeitos de uma determinada sociedade possam consumir a fim de gerar divisas e capital para uns poucos ficarem mais ricos. Mas para que o abismo civilizacional não chegue cada vez mais próximo, o que devemos fazer? Apostar num estilo de vida mais coerente? Pautar nossa vida num estilo mais responsável? As respostas são pouco otimistas.

O que notamos é que quanto mais o tempo passa, mais percebemos que a velocidade do trem que construímos é louca e inconsequente. Estamos numa ladeira enorme e não queremos enxergar a curva à frente. Enquanto isso, uma festa continua sem que nos preocupemos com as irregularidades do caminho. Os próximos mil anos podem não aparecer.

Música da banda Dave Matthews Band (Don't Drink Water). Belas e perturbadoras imagens.