domingo, fevereiro 25, 2018

A guerra do fim do mundo

O ano passado, comecei a leitura de A guerra do fim do mundo, livro fundamental para se compreender o Brasil atual à luz dos eventos históricos ocorridos durante a Primeira República, também chamada de República Velha. Mario Vargas Llosa, escritor peruano e um dos poucos escritores latino-americanos a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura, passou alguns meses no sertão baiano, colhendo informações; observando a paisagem; assinalando as características dos moradores do lugar; catalogando documentos históricos a fim de entender a épica história de Antonio Conselheiro e do arraial de Canudos. 

Estou na metade do livro. Devo confessar que se trata de uma obra extraordinária em todos os sentidos. Em outro momento farei uma breve reflexão sobre ela. Por enquanto, fica um vídeo do programa Direito e Literatura. Vale a pena assistir ao vídeo que possui pouco mais de 25 minutos.

Direito e Literatura - A Guerra do Fim do Mundo from Unisinos on Vimeo.

segunda-feira, fevereiro 19, 2018

Um excerto sobre o tempo, essa matéria que nos molda

"Rachel de Queiroz se preocupa com a dicotomia entre tempo e espaço. Para ela, o tempo, diferentemente do espaço, não tinha estabilidade, não se podia ir e voltar nele. O que se passa no tempo some, anda para longe e não volta nunca. É com profundo pesar que ela constata ser o passado uma substância solúvel, que se dilui dentro da vida, escorre pelos buracos do tempo - águas passadas. Para Rachel, a dimensão do tempo é aflitiva para o homem, pois seus únicos marcos são as lembranças, cujas testemunhas são as pessoas que também passam, também se transformam. 

O homem não tem sobre o tempo nenhum comando, apenas sofre o tempo, sem defesa. O tempo anda no homem, mas este não anda nele. O tempo nos gasta como lixa, nos deforma, nos diminui e nos acrescenta. Os olhos de trinta anos desaparecem, a forma de ver também. Razão por que o espaço é repositório da memória, das marcas do tempo; é a dimensão que, segundo ela, deve proteger o homem dessa sensação de vertigem. O espaço seria a dimensão conservadora da vida". 

A invenção do Nordeste e outras artes. Durval Muniz de Albuquerque Júnior. Editora Cortez. 2011, pp. 97-8.

domingo, fevereiro 18, 2018

Algumas palavras sobre "Enclausurado", de Ian McEwan

"Nem todo mundo sabe o que é ter o pênis do rival do seu pai a centímetros do seu nariz". Ian McEvan.

Comprei há pouco mais de um ano três ou quatro livros de Ian McEwan. Acredito que em outro momento eu já havia comprado "Sábado". Estão dispersos em meio aos meus livros. É o que a memória consegue resgatar. O inglês é tido como um dos grandes escritores da atualidade. Já escreveu quase vinte livros em sua carreira de sucesso. Ganhou prêmios. "Amsterdã" e "Reparação" entraram para a lista de obras-primas. 

Não sei o porquê, mas resolvi enfrentar o seu último sucesso - o romance "Enclausurado". Trata-se de uma das narrativas mais vivas e bem escritas que li nos últimos tempos. McEwan mostrou-se um verdadeiro mestre em manter o controle de um texto. Primeiramente, é necessário dizer que se trata de um livro com aspectos inusitados. Sua inverossimilhança o aproxima do humor machadiano. É possível colocá-lo em paralelo com o "Memórias Póstumas de Brás Cubas". No livro de Mchado de Assis, encontramos um narrador relatando fantasticamente o que se deu com enquanto estava vivo. Em "Enclausurado", pelo contrário, temos uma viagem inversa. O narrador é um ente que ainda não aportou no mundo. 

Sua mãe Trudy está no nono mês de gestação. É uma mulher bonita, jovem; possui uma inteligência média. Ela se relaciona com Claude, um sujeito de inteligência duvidosa, típico fenômeno pós-moderno - de pouca acurácia intelectual, defensor de um nacionalismo caricato contra os estrangeiros; intransigente; de percepção acanhada. Mas, apesar desse aspecto negativo com relação à personalidade, Claude é um campeão na cama. O feto nos fornece descrições do seu desempenho. Trudy no nono mês tem tórridas relações sexuais com ele. Essa relação estaria dentro de um padrão, se não fosse pelo fato de Trudy planejar o assassinato de John, o seu ex-marido - e irmão de Claude. 

John é o contrário do irmão. É um sujeito sensível. Apaixonado. Educado. Poeta. Amante da vida. O que John possui de conteúdo, Claude deixa a desejar. São verdadeiros antípodas. 

A causa do plano para matar John é pelo fato deste possuir uma casa no valor de 7 milhões de libras. Se ele viesse a morrer, a casa ficaria com Trudy. Daí surge o plano. 

E como ficamos sabendo de tudo isso? Por intermédio de um feto, que empreende uma fina análise dos perfis dos personagens. É justamente nesse ponto que McEvan demonstra a sua competência. Um aspecto de fina ironia e de um intimismo melancólico que acaba por tornar a leitura apaixonante.

Penso que o livro seja uma joia que possui muitas faces a serem analisadas. Quero me restringir de maneira superficial à amplitude semântica do título. Notamos o desenrolar das ações pela percepção de um feto. Sua ambiência se restringe à experiência do mundo uterino. Ele escuta os planos; rumores da traição; a carga de vilania da mãe e do tio. "Enclausurado" significa, então, o encurralamento de possibilidades; a impotência que marca a criatura que assiste a tudo sem nada poder fazer. "Enclausurado", ainda, pode ser a possibilidade da cadeia. Ou seja, a mãe por ser assassina iria para a xadrez. O feto vive na "prisão" aconchegante e macia do útero materno. Mas, ao nascer, experimentaria a clausura da cadeia. O antes e o depois do narrador é a prisão. Genial a sacada de McEwan. É, por isso, que a literatura encanta.

segunda-feira, fevereiro 05, 2018

Enquanto isso... no andar de cima

O Brasil não é um país sério. Disso todo mundo está careca de saber. Acontecem coisas por aqui que seriam impensáveis em qualquer parte do mundo. Um dos problemas mais sérios do brasileiro é que ele não se leva a sério. Esse "ceticismo de vira-latas" é um mal que nos assola, que vai nos consumindo. Vejam, por exemplo, a charge abaixo. Ela vivica nosso raquitismo, nosso mandonismo diário e como o jogo político dos mandatários do país é realizado. E como disse certa vez Darcy Ribeiro 'as elites brasileiras estão entre as mais atrasadas e ranzinzas do mundo'. Há comicidade, mas também há uma tragicidade latente nisso tudo.