sábado, março 10, 2018

Ainda José Lins do Rego - "Banguê"

Apesar de ter terminado a leitura de Banguê há bastante tempo, o terceiro romance de José Lins do Rêgo, somente agora me decidi por realizar alguns comentários. Do ponto de vista da escrita, Banguê é o que possui a melhor redação dos três primeiros romances. Como foi comentado anteriormente, Menino de Engenho, o primeiro, é uma narrativa centrada na nostalgia. Não há dramas psicológicos. É a infância verbalizando suas impressões. Carlos de Melo é uma criança órfã que decide contar alguns fatos sob uma perspectiva altamente saudosista. 

Apesar da ficção, ouvimos a partir dele, quiçá, a própria voz do romancista José Lins do Rego, que experimentou a sua infância também em um engenho. Ele empresta a sua história a Carlos de Melo. No segundo livro, Doidinho, percebe-se que "o ciclo" começa a ganhar contornos sólidos. A narrativa se avoluma. José Lins continua a sua incansável saga memorialística. Carlos de Melo ainda está no centro. Enquanto em Menino de Engenho, temos-lo criança, em Doidinho ele é o adolescente que vai para escola e experimenta os rigores da disciplina. 

Carlos tem o futuro à frente, mas insiste em olhar para o Santa Rosa. Os acontecimentos são quase inexistentes no engenho Santa Rosa na narrativa. O engenho é visto como o Éden; como o espaço privilegiado da pureza inconteste; da felicidade inquebrantável; dos acontecimentos grávidos de liberdade. Há uma polarização entre o Liceu em Itabaiana e o Engenho Santa Rosa - aquele, o espaço claustrofóbico, do confinamento, do medo, do susto, da violência repressora; já este é o jardim das delícias; da fauna e da flora privilegiadas; em suma, de um mundo sem porteiras nem muros.

Banguê, por sua vez, escrito em 1934, é o mais denso livro da trilogia de Carlos de Melo. Fica-nos a impressão de que José Lins tenha desenvolvido a técnica que o conduziria a Fogo Morto, sua obra máxima. O livro foca a atenção em um Carlos de Melo já adulto, formado e herdeiro do espólio do Santa Rosa. O avô José Paulino, figura emblemática do patriarca, aquele que ergueu o grande feudo, morrera. Ela era o inexpugnável dono de terras, animais e "gentes". Carlos de Melo, bacharel em Direito, formado no Recife - assim como José Lins, um herdeiro das famílias tradicionais do Nordeste - após a formatura, volta para o Engenho. Sua indolência para com as coisas do Santa Rosa colocam-no em crise. Percebe-se claramente a sua falta de habilidade para gerir, para tocar as terras antigas do avô. 

As safras não são as mesmas. Um medo profundo de ser morto o abate. Desconfia dos parentes. Nota que há moradores mais habilidosos do que ele na condução das lavouras. Por fim, percebe que está na iminência de perder o Engenho para uma usina. Não consegue pagar uma carta de crédito. Se isso acontecer, ele liquidará a história do imortal Engenho Santa Rosa, que é uma extensão da memória do avô José Paulino.

Minhas palavras soam meio inexpressivas na tentativa de fermentar o interesse pela história, mas o fato é que o ritmo da prosa de José Lins deixa a impressão de um escritor que ia escrevendo à medida que memória fazia o seu trabalho. A narrativa pode ser comparada a uma mina que brota incessante. É delicioso ler José Lins do Rego! Percebe-se que ele não se preocupa com as grandes construções gramaticais. O fluxo de sua narrativa parece ser resultado de uma conversa, uma confissão privilegiada à imaginação dos leitores. 

Estou terminando dois livros atualmente - A guerra do fim do mundo (Mario Vargas-Llosa) e A invenção do Nordeste e outras artes (Durval Muniz de Albuquerque Junior). Assim que concluí-los, emplacarei a leitura de O moleque Ricardo. Quero perfazer toda a obra do escritor paraibano este ano. Sigamos. 

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